A Garganta da Serpente
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A ARTE DE ENGOLIR SAPOS

(Marcial Salaverry)

Existem muitas pessoas que são "especialistas" na desagradável arte de "engolir sapos". Alguém poderá dizer que as rãs são mais saborosas. Até concordo, mas não estou dizendo engolir sapos no exato sentido da palavra, mesmo porque é exatamente pelo fato desse bichinho ter um aspecto tão repulsivo, e possivelmente ter um sabor extremamente desagradável, que se costuma dizer que vamos "engolir sapos", quando, por razões diversas, somos obrigados a escutar coisas que não nos agradam, e nada podemos responder.

Obviamente essa atitude fere a sensibilidade de qualquer pessoa, pois não é nada simpático, termos que contrariar nossa vontade que, por vezes é mandar quem está nos falando e, possivelmente o resto do mundo para lugares pouco recomendáveis, e por certas contingências da vida somos obrigados a concordar, e a ceder, abdicando de nossa vontade, em favor de outrem.

O perigo reside no fato de que tantas vezes, durante muito tempo, violentamos nossos próprios desejos, cedemos tanto às necessidades dos outros, que começamos a acumular mágoas em nosso interior, e um dia explodimos. E, ao explodirmos, poderemos magoar pessoas que não chegam a ter tanta culpa por nossas frustrações, pois acabamos atingindo quem estiver por perto quando da explosão, e nem sempre são os verdadeiros causadores.

Essas mágoas, muitas vezes vem de longe, vão se acumulando aos poucos, e ficando represadas. Quando a barreira cede... a inundação varre tudo.

Por vezes, chegamos a desmarcar consultas médicas já marcadas há algum tempo, para atender a alguma necessidade de outrem. E isso vai nos aborrecendo.

Em conversa com um médico amigo, um clínico geral muito bem conceituado, ouvi o seguinte:

"As pessoas não devem engolir sapos, pois é uma das maiores causas de distúrbios gástricos (mesmo que não seja no sentido real da palavra...). E mesmo de stress."

Entre um chopinho e outro, argumentei que nem sempre podemos deixar de saborear os batráquios em questão, pois nem sempre podemos dizer ao eventual interlocutor, o que realmente pensamos, seja por questões de educação, seja por interesse, seja por algum receio, seja por qualquer razão. Foi então que ele falou a fórmula mágica. Vejam a simplicidade de sua explicação: "O negócio, meu amigo, é começar a falar sozinho... Ao invés de simplesmente ficar remoendo no pensamento as coisas que gostaria de dizer, assim que ficar sozinho, desabafe, falando em voz alta, como se àquela pessoa tudo o que lhe vier na cabeça. Solte os bichos. Se for o caso esmurre o travesseiro, o banco do carro, o que tiver de macio ao alcance da mão. O que não se deve fazer é guardar as coisas dentro de si. Essa terapia poderá tirar o emprego de muitos psicólogos, mas se for bem feita, resolve muitos problemas, principalmente os gástricos. Já fiz essa experiência com diversos pacientes impacientes, e eles ficaram mais pacientes... É o tipo de tratamento que não custa nada e, como se costuma dizer, "se não mata, engorda..."

Como em nossa vida quase sempre nos vemos nessa desagradável contingência de incluir esse bichinho no cardápio, não custa nada aplicar a "terapia do berro". Após a "refeição", no instante mesmo em que ficarmos sós... é só se concentrar na pessoa que nos irritou, e, imaginando ter a soturna figura em nossa frente, dizermos tudo aquilo que está entalado em nossa garganta, e não pudemos dizer-lhe ao vivo e a cores. Mas falar mesmo, se for o caso, gritar em altos brados. Nada de sussurros românticos. Gritar mesmo. Dizendo tudo que nos vier à cabeça.

Acreditem, é uma excelente terapia para esses casos.

Agora, também é de bom alvitre tomarmos algumas medidas preventivas, principalmente através de diálogo familiar, expondo sempre as razões, deixando claro que não é justo tudo ficar em cima de uma pessoa, geralmente a infeliz mãe, esposa, tia, cunhada, que precisa abdicar de suas necessidades, de sua vida, apenas porque é muito prestativa, e acostumou mal o restante da tropa, sempre procurando atender a todos com o máximo de boa vontade. Acontece que muitas vezes, essa boa vontade é interpretada como "trouxidão", e a turma abusa...

Vamos dialogar, explicando que também temos nossas necessidades pessoais, que também precisam ser atendidas, e que deve existir mais colaboração de todos. Não é justo que tudo recaia sempre sobre os mesmos ombros...

Então, para quem ainda não se habituou ao sabor do simpático batráquio (se for barbudo, é pior ainda), fica aqui as sugestões, e junto com elas, meus desejos de UM LINDO DIA.

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