De meu pai herdei principalmente o espírito aventureiro. Uma vontade
enorme de conhecer o desconhecido, de não ter medo de enfrentar a vida
e suas dificuldades, de ir à luta com decisão, sem medo de eventuais
percalços.
Por causa dessa sua maneira de encarar a vida, nunca tivemos uma situação
estável financeiramente falando, mas ele sempre nos soube passar toda
sua vasta experiência de vida, dando bons e maus exemplos, ensinando à
sua maneira como fugir de certos vícios.
Por exemplo, ele foi um fumante inveterado, mas soube mostrar o lado feio do
vício, pois fazia questão de dizer que não conseguia largar
o vício, por lhe faltar força de vontade para tanto, dizendo-se
um covarde por causa disso, mas que o cigarro lhe havia prejudicado terrivelmente
a saúde, debilitando seu coração e seus pulmões.
Sempre fazia questão de lamentar que quando jovem ninguém lhe
alertara sobre isso. Com esse exemplo diante de nossos olhos, dos seis irmãos,
apenas uma foi fumante.
Jogador compulsivo justificava-se dizendo que o vício lhe havia entrado
no sangue, e deixava claro que lamentava haver se deixado dominar por esse vírus
daninho, e que o jogo era o responsável pela situação instável
que sempre vivêramos. Apenas um dos seis irmãos enveredou por esse
caminho, mas conseguiu sair fora, antes que fosse tarde demais.
Por causa destes vícios, alguém poderá dizer que não
foi um bom pai, mas na verdade, não importa muito quem ele tenha sido,
ou o que ele fez... O que importa, na realidade, são as lembranças
de momentos gostosos, e dos ensinamentos que ele me deixou.
Mais que um pai, foi um grande amigo. Gostava de reuniões familiares,
e tinha o hábito de após o jantar, manter-nos sentados à
mesa, para o que ele chamava de mesa redonda, onde trocávamos idéias,
e resolvíamos problemas.
Aceitava nossas críticas contra seus vícios, e nos estimulava
a lutar contra. Dizia que uma vez começando, era muito difícil
sair. E que não deveríamos adquirir nenhum desses vícios.
Naquela época os vícios mais falados e praticados, eram os "inocentes"
fumo, bebida e jogo. Bons tempos aqueles em que drogas eram exclusividade de
uns poucos.
Não gostava que o chamássemos de "senhor", dizendo ser
um tratamento muito cerimonioso para pais e filhos, onde deveria imperar a amizade,
a confiança e o respeito, mas sem cerimônia. Frisava sempre que
amigos dispensavam cerimônias.
São essas as principais lembranças de meu pai. O câncer
provocado pelo cigarro o levou quando eu ainda era muito jovem, mas ficou sua
lição de vida. Aproveitei bem tudo o que ele ensinou, pois nunca
me deixei levar pelo fumo ou pelo jogo, e também procurei criar meus
filhos dentro de um clima de amizade e passando-lhes todos os ensinamentos que
a vida me deu, sendo para eles, o que meu pai foi para mim, ou seja, acima de
tudo, um grande amigo, sempre pronto a escutar os problemas, e dirimindo suas
dúvidas existenciais.
E isso penso ser o principal elo que deve existir entre pais e filhos. Uma grande
amizade.