Calma, prezado leitor, nem você leu errado, nem eu pirei de vez. Este
artigo pretende isso mesmo: dar novos motivos para que os moços e moças
de nosso Brasil continuem lendo apenas o suficiente para não bombar na
escola.
E continuem vendo a leitura como algo completamente estapafúrdio, irrelevante,
anacrônico, e permaneçam habitando o universo ágrafo dos
hedonistas incensados nos realitys shows.
(Êpa, acho que exagerei. Afinal, quem não lê muito dificilmente
vai conseguir compreender esta última frase. Desculpem aí, manos:
eu quis dizer que os carinhas, hoje, precisam de dicionário pra entender
gibi da Monica, na onda dos sarados e popozudas que vêem na telinha, e
que vou dar uma força pra essa parada aí, porra.)
Eu explico mais ainda: é que, aproveitando o gancho da Bienal do Livro
pensei em escrever sobre a importância da leitura. Algo leve mas suficiente
para despertar em meia dúzia de jovens o gosto pela leitura (de que?
De tudo! De jornais a livros de filosofia; de bulas de remédio a conselhos
religiosos; de revistas a tratados de física quântica; de autores
clássicos a paulos coelhos).
Daí aconteceram três coisas que me fizeram mudar de rumo e de idéia.
Primeiro eu li que fizeram, alguns meses atrás, um teste de leitura com
estudantes do ensino fundamental de uma dezena de vários países.
Era para avaliar se eles entendiam de verdade o que estavam lendo. Adivinhem
quem tirou o último lugar, até mesmo atrás de paizinhos
miseráveis e perdidos no mapa mundi? Acertou, bródi: o nosso Brasil.
Logo depois, li uma notícia boa que, na verdade, é ruim: o (des)governo
de São Paulo anuncia maior número de crianças na escola.
Mas adotou a política da não reprovação. Traduzindo:
neguinho passa de ano, sim, mas continua técnicamente analfabeto. Porque
ler sem raciocinar é como preencher um cheque sem saber quanto se tem
no banco.
E, por último, li em pesquisa publicada no O Estado de São Paulo,
de 15 de março, que para 56% dos brasileiros entre 18 e 25 anos comprar
mais significa mais felicidade, pouco se importando com problemas ambientais
e sociais do consumo desenfreado. Ou seja, o jovem brasileirinho gosta de comprar
muitas latinhas de cerveja, mas toma todas e joga todas nas ruas ou nas estradas,
sem remorso.
Viram como ler atrapalha?
A gente fica sabendo de fatos que, se não soubesse, teria mais tempo
para curtir o próprio umbigo numa boa, sem ficar indignado e preocupado
com a situação atual de boa parte de nossa juventude.
E também faz o tico e o teco (nossos dois neurônios que ainda funcionam
no cérebro, já que se dividirmos o quociente de inteligência
nacional pelo número de habitantes não deve sobrar mais que isso
per capita) malharem e suarem, em vez de ficarmos admirando o crescimento do
bumbum e do muque no espelho das academias de musculação.
Por isso que, num momento de desalento, decidi que, de agora em diante, como
escritor e professor, nunca mais vou recomendar a ninguém que leia mais,
que abra livros para abrir a cabeça.
A realidade é brutal e desmentiria em seguida qualquer motivo que eu
desse para um jovem tupiniquim trocar a alienação pela leitura.
Eu reconheço: a maioria está certa em não ler.
E tem, no mínimo, 5 razões poderosas , maiores e melhores que
meus frágeis argumentos ao contrário:
Se ler, vai querer participar como cidadão dos destinos do País.
Não vale à pena o esforço. Como disse o Lula (que não
teve muita escola, mas sempre leu pra caramba), a juventude não gosta
de política, mas os políticos adoram. Por isso que eles mandam
e desmandam há séculos;
Se ler, vai saber que estão mentindo e matando montes de jovens todos
os dias em todos os lugares do Brasil impunemente; principalmente porque esses
jovens não percebem nem têm como saber (a não ser lendo)
a tremenda cilada que é acreditar que bacana é mentir e matar
também;
Se ler, vai acordar um dia e se perguntar que diabo é isso que anda acontecendo
neste lugar, onde só ladrões, corruptos, prostitutas e ignorantes,
aparecem na mídia;
Se ler, vai ficar mais humano e, horror dos horrores, é até capaz
de sentir vontade de se engajar num trabalho comunitário, voluntário
e parar de ser egoísta;
Se ler, vai comparar opiniões, acontecimentos, impressões e emoções
e acabar descobrindo que sua vida andava meio torta, meio gado feliz.
O espaço está acabando e me deu vontade de lembrar que ninguém
-nem mesmo alguém que não vê utilidade na leitura - pode
achar que há um belo futuro aguardando uma juventude que vai de revólver
pra escola e, lá, absorve não conhecimentos mas um baseado ou
uma carreirinha maneira. Sim, é outra matéria que li, dando conta
que virou moda entre os jovens estudantes irem armados à escola, encherem
a cara a partir dos 13 anos e intimidarem fisicamente os professores.
Mas páro por aqui já que, apesar destes tristes tempos verdes
e amarelos (as cores do vômito, papito), lembro também de tantos
poetas, jornalistas e escritores que, ao longo de minha vida de leitor apaixonado,
me deram toques de esperança, força e fé na mudança.
De um especialmente - o poeta Tiago de Melo - com seu verso comovido e repleto
de coragem:
"Faz escuro, mas eu canto!"
Talvez meu pequeno cantar sirva de guia do homem (e mulher) de amanhã.
E que, lendo mais, ele/ela evite ter como única alternativa para mudar
de vida dar a bunda (e a alma) ou engolir baratas (e a dignidade) diante das
câmeras de televisão.