O homem é resultado do que aprende no contexto social em que vive, na
casa, na rua, na escola, no trabalho. Nesse processo pedagógico alguns
livros marcam nossa vida, a escrita, a fala. Refiro-me ao dicionário,
esse amigo de todos os dias e horas. Escrevo estas linhas para compartilhar
com os profissionais do mercado a dívida crescente que mantemos com essa
ferramenta indispensável na formação e desempenho das nossas
atividades.
Atento que o dicionário não é objeto de uso exclusivo do
segmento educacional. Todos os trabalhadores deveriam adotá-lo como obra
de consulta diária, um tanto pela atualização do vocabulário,
outro pelo seu enriquecimento e tudo pela superação da pobreza
gramatical reinante. Uma simples consulta nos ajuda a conhecer o mundo à
medida que conceitua o incompreensível.
O que os intelectuais chamam obra de referência é, decerto, referência
para nossa vida, nosso desempenho no trabalho. Quantos problemas no ambiente
de trabalho surgem da incompatibilidade comunicativa entre as instâncias
de planejamento e execução das atividades ou simplesmente entre
a fala do emissor, chefe ou colega de trabalho, e compreensão do ouvinte-executor.
Desconheço o setor de mercado que desconsidere a comunicação
como meio de atingir o sucesso, mesmo aqueles que nos parece limitado ao trabalho
braçal.
Imagine que até o início do século XX os dicionários,
assim como boa parte da nossa literatura, eram produzidos em Portugal e consequentemente
recheados de arcaísmos vigentes na terra de Luis Vaz de Camões.
O Brasil, num contexto de afirmação da nacionalidade, carecia
de um dicionário que reunisse os termos regionais da sua federação.
A questão foi desvelada por intelectuais vinculados ao Modernismo.
O processo de fixação e incorporação de um termo
novo no cotidiano das pessoas dá-se naturalmente através de conversa
ou pela curiosidade da pessoa interessada. Monteiro Lobato descreve o processo
de descoberta e assimilação de palavras em carta ao amigo Godofredo
Rangel, de 14/08/1909: "quando topo palavra que desconheço... anoto-a
com toda a frase..., frase que lhe entremostra a significação
e a propriedade. Anotar só a palavra é perder tempo. É
uma espécie de apresentação da nova personagem a inteligência,
e passo para familiarização entre ambos e conseqüente assimilação.
(LOBATO, Monteiro. A Barca de Gleyre - 1º. Tomo. São Paulo:
Brasiliense, 1968, p. 258)
Euclides da Cunha, assim como Monteiro Lobato, era leitor de dicionários.
Hábito saudável, indispensável. Lobato confessara ao amigo
Rangel: "já percorri este ano as primeiras 700 páginas do
Aulete e breve chegarei ao fim, porque está me agradando o passeio".
Lembro um conselho de Ruth Rocha aos vestibulandos 2004, num programa televisivo:
"leiam dicionários todas as manhãs e tente usar as palavras
novas ao decorrer do dia, isso ajuda muito".
O repertório de palavras do nosso vocabulário não precisa
ser comparado ao destes escritores, porém necessitamos do básico
para não repetir cansativamente a mesma palavra no texto ou na fala.
Essa deficiência pode ser remediada com o dicionário, falando nisso
você já pensou quantos termos tem o seu vocabulário? Ao
contrário do que alguns pensam falar e/ou escrever pede consulta ao dicionário,
o pai dos curiosos. Dicionário não é "pai dos burros",
é repasto de curiosos famintos de conhecimento. Gilberto Amado não
desgrudava o dicionário nem durante o processo de criação
literária: "escrevo com o dicionário - como escritor",
informava o saudoso sergipano.