"Não acredito em arte
Que não seja libertação"
Manuel Bandeira
Como todo cidadão comum, tomei um ônibus na Vila Sônia,
zona oeste de São Paulo, linha Estação da Luz, e lá
fui, com a musa-vítima açodada pela propaganda, ver o tal Museu
da Língua Portuguesa na Praça da Luz, centro velho roto e abandonado
de São Paulo. Expectativa enorme, claro, muito mais para um poeta que
estuda a língua-mátria, como diz o Caetano Veloso. Fui na onda
midiática do momento. Fui interessado lá - comprovante número
5202 de 29/04/06 - ver o tal Museu da Língua Portuguesa, torcendo para
vibrar com o sucesso aventado, crendo que iria adorar. Pobre e ledo engano.
Infelizmente.
Desci no lado da Cásper Líbero (ponto final da linha do péssimo
serviço de transporte coletivo urbano piorado demais) e, SURPRESA!. Desci
e fiquei sem saber pra que lado era o tal lado do tal não apresentável
estético Museu. Nenhuma placa, nenhum sinal, nenhum aviso, nada de nada.
Incompetência estrutural, inclusive para incautos Turistas desavisados.
Entrei na Estação perdidinho. Gente de monte, sujeira, correria,
uma loucura - a pobre gente brasileira e a nefasta propaganda enganosa vendendo
gato por lebre - e nada de placa, sinal, aviso, gerenciamento. Quase atropelado
fui em busca de uma só possível autoridade vigiadora ou informante
local. Lá pelas tantas, um guardinha muito mal humorado, cara de azedo
deu a dica com um humor risível irônico: - A filona é ali,
sapecou ele, rindo do trouxa perguntador e curioso de uma figa. Sim, interessados
em cultura, ao lado, sentido da Praça da Luz, num local lotado de camelôs
verdadeiramente achacando eventuais clientes-patos, a fila enorme e vergonhosa.
De dar dó. Ao lado carros mal-estacionados, ônibus de excursões
sem estrutura, montoeira de vendedores de tudo quanto é bugiganga.
Nenhum fiscal, policial, sequer os da indústria de multa. Descaso público
total. Crianças, jovens, idosos, estatutos ético-humanistas à
parte, foram na fiuza da propaganda enganosa e ali estavam perdidos e entregues
aos desmandos generalizados, mais o preços-roubos dos vendedores mal-encarados
em contrabandos informais ou no neoescravismo das terceirizações
invadindo cafundós, filas, ermos e sombras. E os direitos humanos dos
fileiros interessados em cultura?. Vão sacando.
Quase uma hora na fila da incompetência estrutural. Sol de rachar mamona,
calor doentio, perdição de tudo quanto é tipo, poluição
humana dos piores elementos mercadores possíveis, mau cheiro de fedô
e chega gente perdida, sai gente frustrada, quando, a bem da verdade, nem poderia
em tão pouco tempo e pouco espaço organizacional ter ônibus
do interior em tamanha bagunça técnico-administrativa. Deveria
ser proibido. Era pegar ou largar. Desordem e reclamos. Chegando ao lugar do
filtro com catraca, fila mal arrumada pra pegar um bendito tíquete, quando
uma moça nervosinha da silva e amadora para o contexto também
pouco funcional, queria tirar-me a bolsa de mão na marra, como se fosse
mochila. Tive que, cidadão-contribuinte peitá-la sob o vezo ético.
Degradante. Constrangedor. Não sabia a diferença entre uma coisa
ou outra. Cabide de empregos desproposital? Aliás, não podia nada
quando tudo é cultural e educação faz gosto. Ver pra crer.
Aí era esperar o elevador-dinossauro. Sem ascensorista, um guardinha
que ia e vinha, coitado, entre atropelos, avisou depressinha e sufocado pela
mixórdia generalizada que era para irmos direto e reto pro primeiro andar
que o segundo e terceiro estavam lotados. Acredite se quiser, mais o bicho velho
subiu diretinho rangendo o peso morto exatamente para o terceiro andar e ninguém
apertou nada. Inaugurar obras de supetão para mostrar que é o
que não é, é ridículo. Os desgovernos tucano-liberais
nunca fizeram nada pela cultura, nem pela educação, porque aquela
obra populista e eleitoreira então?
Mas ali estávamos e fomos ver o desboque. Uma ou outra coisa trivial
e comum que prestasse, ainda assim mal-e-mal visto de passagem. O inédito
e supostamente novo, nem é tão novo, pioneiro, inédito
ou de vanguarda assim. Confusões de sons e letramentos como macadames.
Gírias imperfeitamente incorretas e politicamente obtusas. Os poemas
pintados num corredor demasiado estreito até que ficarem bem, apesar
das escolhas poéticas bem suspeitas e também até umas letras
de mpb bem jecas totais. Pior: o padrão global tornou pífia a
minha expectativa. Já pensou? Tevês e tevês. Nada de novo
no óbvio. Pouca tecnologia de ponta que causasse interesse, nem ninguém
para ordenar interesses de usuários curiosos. Poemas nos tijolos entre
lixões. Coisa bobinha de dar dó. Não acrescentou nada a
nada. Plínio Marcos iria morrer de ir. Pobre Sampa. O tal olho mágico
que mostrava o diferente no longe foi razoável, mas, acreditem, algo
pueril no lúdico de percurso entre tarecos. O espelho de se ver o texto
ao contrário na água foi uma boa idéia pingada ali no contexto
todo. Criações em saquinhos pendurados no ar. Não acrescentou
interesse aproveitável que fosse. Telas-panos corrigidas do Guimarães
Rosa. Por que não as consertadas, páginas especiais, com mais
historiação sobre um dos maiores autores brasileiro? Para não
dizer que faltou Machado de Assis e grandes poetas em exposições
por atacado. Esperava mais. Mas não mais do mesmo. Ninguém para
ciceronar. Sons e imagens numa mistura ruim para o ler/ver (pensar/sentir) literatura,
palavras, sons. Um achado fraco e o pessoal que criou o tal museu não
foi fundo, com suspeitíssimos nomes (artes?...) ali de quem chegou indagora,
talvez, num crescendo nem chegará perto do Machado e Guimarães,
mas já estava inserido ali de alguma maneira suspeita, e assim também
esteve bolando o projeto em que se incluiu. Difícil acreditar, não
é?. Tráfico de influência ou intermediação
de foro íntimo e interesse próprio, midiático-editorial,
via padrão global por isso mesmo no geral rastaquara, bobinho na resultante
final, nota seis, se tanto. O espaço até exíguo, assim
mesmo exigia mais capricho, coragem limpa, lúcida, criativa. Criação
fora de série não faz mal a ninguém. Museu que já
nasceu velho. Da Língua indizível que ali foi prostituída
de alguma forma. Portuguesa mas nem tanto. Um museu de blefes, chinfrim mesmo.
Oswald de Andrade e Mário de Andrade, da semana da Arte Moderna (1922)
teriam vergonha. Faltou palavras. É um Museu a la Faustão: grande
e vazio, esteticamente sofrível e vernacularmente arigó. Na mídia,
mas, só tamanho não é documento artístico-cultural-humanista,
nem cult.
Por que a UBE-União Brasileira de Escritores não peitou o açodado
projeto, se tem mais cabedal histórico, acervo e lastro?. Eu não
gostei. Senti uma frustração geral entre pessoas da classe A e
B, com a C e D acreditando mais na propaganda do que na arte e na cultura e
na língua propriamente dita. Aconselho os amigos interessados em qualidade
cultural, a visitarem a maravilhosa Pinacoteca. O tal Museu da Língua
Portuguesa, perto da Pinacoteca é um beco de nadas e ninguéns,
um cortiço de toleimas pseudocriativas imprestáveis na geléia
geral, grosso modo, um gueto de modernosos que, depois que deixar de ser moda
nodal, entrando uma gestão cultural séria, visionária -
ai de ti paulicéia desvairada - vai demolir tudo e mandar recomeçar
do zero, pois, afinal, depois que vi o ralo e raso e, portanto, claro, não
vi algo de nada, fiquei com a impressão que fui logrado por algum motivo,
de alguma maneira. Grátis é caro. Entrar na fila quilométrica
para ver um amontoado de imagens e palavras que não colam, tudo aquilo
com a cara do Fantástico pareceu-me um ledo engodo. Faltou luz criativa
ali em frente a Estação da Luz. Será que tem gente que
não enxerga no claro?
Em ano de Copa do Mundo, de brasileiro no espaço e de eleições,
parece discurso ímprobo jogado fora (como erário é espaço
público inaproveitado - e falsa cultura literária também
jogada fora), cabeças vazias pensando que são o que não
são, jogo de cena para ganhar espaço na mídia com arte
que não pára em pé. Bola fora mesmo. Pariram um elefante
branco lítero-cultural.
O lixo não pode ser pseudopop com erário público.
E ainda ouvi dizer (ou ouvi sentir, ouvi soar em ouvidos de mercadores) que
a sagrada Maria Bethânia podia ser captada na balbúrdia da feira
declamando Fernando Pessoa. Será o impossível?
Quem gostou é mal formado.