A Garganta da Serpente
Artigos Envenenados textos sobre literatura
  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

Um litro de poesia e cem gramas de loucura

(Rodrigo de Souza Leão)

Eu me perguntava por que de poeta e louco todos temos um pouco. Será mesmo? O que faz a poesia e a loucura figurarem no adágio de forma paralela?

O que é poesia e o que é a loucura? O paralelismo pode residir na manifestação discursiva de cada uma. Como a primeira lida com metáforas e linguagem conotativa, é fácil pensar que existe uma dose de loucura na poesia. Não acredito no vice-versa, na loucura discursiva de um texto. Toda a narrativa que se auto-define louca já tem a razão em si. Portanto não digamos impossível, mas para um louco é muito difícil fazer poesia, apesar de discursivamente estar despejando linguagem conotativa e metáfora full time.

Quando um poeta como Junqueira Freire diz: "Beijar-te a voz que soltas/Beijar-te a luz que visas"; fica claro que não é possível beijar a voz ou a luz, portanto, ele poderia ser um louco, no hospício. Mas não o é, o poeta emprega a linguagem conotativa, a qual a poesia está vinculada. Assim podemos dizer que a poesia, se tem um parentesco com a loucura, é devido a este elo. Loucos também fazem uso desta forma de linguagem para se comunicar. Só que para o doente, está é a forma de se comunicar. Ele não a vê como objeto artístico. Já o poeta parece ser o ordenador da loucura. Taí!!!! o poeta destila no papel o possível e o impossível, o real e o imaginário, o seu eu, e, mesmo perdendo por momentos a razão, para fazer poesia é necessário ainda outros requisitos. Outros temperos para o molho poético. O interessante é notar que, desde Homero, tenta-se apreender o conceito de poesia. E já se tem sucesso? O paradigma da poesia não é mutável, mas cada estilo de época acrescenta ou retira aspectos de linguagem. Quanto à loucura nenhum tratamento consegue dar cabo desta afecção.

Poesia, segundo Hênio Tavares, é a linguagem de conteúdo lírico ou emotivo escrito em verso ou em prosa. Ora é necessário certa ordenação para se escrever um poema. Por isso defender a hipótese de que loucura e poesia são parentes me parece, uma loucura relativa, usando o termo popularmente. Mas e os grandes poetas loucos? Eles poderiam estar loucos todo o tempo, menos quando escreviam. É necessário para a atividade escrita muita concentração, dedicação, raciocínio... coisa que, em surto, é impossível.

O que existe é uma glamourização da loucura. Parece bonito ser doidão. Estar doidão com batida de limão. Loucura não é isso. Definitivamente não é felicidade. Mas podem a loucura e a poesia andarem de mãos dadas? Pode a poesia auxiliar em tratamentos?

Sim, pode-se trazer pro mundo, pode-se muito com arte. A arte redime o homem, eleva-o. Faz o espírito se agigantar, sair de sua pequenez. Acredito que a poesia pode ser profilática. Um indivíduo surtado é uma nau desgovernada. Mal os remédios podem ajuda-lo. Nem ele pode faze-lo. Mas só o fato de evitar a loucura para uns, faz com que escrever seja um remédio. Por isso salve a poesia. Saúde poesia!!!!

Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente