Primeiro existe o nada, ou seja, apenas o papel em branco. Mas a partir desse
ponto, o ficcionista observa a realidade que o cerca e por, meio de sua intuição,
recria a realidade transformando-a em algo denominado "supra-realidade".
Nesse mundo paralelo o ficcionista é um deus, ele cria todo o universo,
literário, depois torna-o habitado e por fim concede as personagens o poder
do livre arbítrio. Sim, as personagens de uma história, seja ela
conto, romance ou poema, necessitam de livre arbítrio. O escritor apenas
supervisiona o desenrolar do enredo para não deixar que o fio da meada
se perca e que suas personagens fujam dos seus respectivos destinos. Muitas vezes
o criador, literário, intercede por alguns de seus filhos (personagens),
para ajudá-los em seus momentos de fraqueza, fato este que no "mundo
real" seria atribuído a interseção divina.
Uma vez criado e habitado o mundo paralelo, supra-real, seus habitantes não
serão simples turistas, nesse mágico mundo. Cada personagem exerce
uma função pré estabelecida pelo criador, o que no mundo
real costuma-se chamar "destino", de acordo com sua vontade e
intenção. É importante salientar que não apenas o
escritor faz uso dessas funções, existem ainda os leitores, estes
sim verdadeiros turistas no mundo da literatura, de malas feitas, prontos para
embarcar no mundo de fantasias criado pelo deus ficcionista.
Existe uma enorme variedade de funções que as personagens e seus
mundos podem exercer. Eles, as vezes, servem para transportar seu criador, ou
leitor, até um mundo utópico, na maioria das vezes, diferente daquele
que serviu de base para a criação do mundo supra-real, porém,
também podem transportá-los a um mundo distante, apenas no espaço,
daquele em que estão.
O mundo ficcional e seus habitantes podem também servir para purgar, tanto
leitor quanto escritor (criador), fazendo-os rir de defeitos ou atitudes muitas
vezes deles próprios.
O criador também tem o poder de mobilizar os leitores, por meio da ficção,
contra algo de errado no mundo real. Desta interação entre criador
e leitor, passando pelas personagens, é possível se criar um mundo
real, melhor para se viver, diminuindo, assim, as desigualdades entre os que habitam
o mundo não ficcional.
As personagens do mundo ficcional podem transcender a seu tempo e espaço
e ao tempo e espaço de seu criador, tornando-se desta forma sinfrônica,
ou seja, compreensível a outras gerações e em outras regiões.
O criador pode tornar-se imortal, por meio de sua ficção. Camões
por exemplo: eu (e a maioria das pessoas também) não sei se ele
era alto ou baixo, gordo ou magro, cabeludo ou careca, enfim não sei como
ele era, porém sei que ele existiu, graças ao mundo ficcional criado
por ele. Esse mundo chama-se "Os Lusíadas".
A ficção também pode trazer consigo e transmitir aos leitores
conhecimentos Históricos, científicos, geográficos, lingüísticos
e muitos outros, de acordo com o interesse do seu criador.
No universo da ficção podem surgir rimas e brincadeiras que darão
a ele e a seus habitantes um certo valor lúdico.
A criação do mundo ficcional pode independer de alguma função
pré estabelecida. A esse fenômeno dá-se o nome de arte-pela-arte,
o que já não deixa de ser uma função exercida pelo
mundo supra-real e por seus habitantes.
As personagens (habitantes do mundo ficcional) tem todo o direito de expressar
seus sentimentos de forma lírica. Este fato evidencia-se quando a voz,
chamada "eu-lírico", que emana do mundo ficcional , como
ecos do além, demonstra todo o sentimentalismo da personagem desse mundo.
O mais interessante é o fato de todas essas funções não
serem excludentes, ou seja, elas podem coexistir dentro de um mesmo mundo supra-real,
ajudando desta forma, tanto criador, quanto criaturas, neste mágico mundo
da literatura.