Tenho uma grande amiga - ou pelo menos assim eu a considero - que é uma
poeta de alto nível, artista plástica não menos inferior
e uma das mulheres mais inteligentes que tive o prazer de conhecer. Concordo
com ela em algumas coisas e discordo em muitas outras; talvez discordemos mais
do que convirjamos, pois quase todos os dias travamos uma batalha virtual; quem
sabe é este um dos motivos para haver durado até hoje a nossa
amizade, pois não dizem que os pólos iguais se repelem? Não
sei dizer exatamente o que mais me atrai nela; trata-se daquela velha história
tão repetitiva com a qual tenho me saído bastante bem quando se
trata de emitir a minha opinião sobre algo importante e sobre cujos detalhes
técnicos não entendo muito, por isso saio pela tangente: "não
sei por quê; simplesmente gosto, e pronto".
Um dos dogmas centrais da filosofia da minha amiga é quanto ao conteúdo
de uma obra artística ou literária. Segundo ela, quanto menos
informações contiver, por exemplo, um texto poético, melhor
ele será. Até aí não questiono nada e, talvez até
concorde inteiramente com ela quanto a este pormenor, pois são exatamente
os seus poemas telegráficos os que mais admiro. Mas para tudo existe
um limite; nem tanto sal no mar, nem tanta sílica na terra; ou, ainda,
na virtude está o meio - ou seria o contrário? Sei não!
Minha amiga é de um laconismo tão exagerado que nenhuma das suas
obras, sejam literárias, sejam artes plásticas, possui sequer
um título, e se quiserem vê-la puta da vida, que mandem algum editor
ou repassador intitulá-las à sua revelia.
É precisamente neste aspecto, aparentemente tão trivial, onde
mais discordamos. Ora, onde já se viu livro, poema, tela, estátua,
conto, romance, canção, sonata, cantata, fuga, crônica,
enfim qualquer forma de manifestação cultural ou artística
sem nenhum título? Que se seja econômico, vá lá.
Afinal, um dos melhores filmes de Costa-Gravas se chama "Z" e uma
das mais famosas peças do Milôr, "É". Mas nadicas
de nada? Sequer um ponto de interrogação ou de exclamação,
ou mesmo um hieróglifo a fim de sugerir egiptologia no conteúdo
de um conto sobre Ramsés II, me parece meio muito.
Neste ponto, sou radicalmente contra a minha amiga. Para mim, cerca de vinte
por cento ou mais do sucesso de uma obra artística ou literária
depende do título. Já imaginaram se o romance "Suave É
A Noite" se chamasse, "Ciúme Na Riviera"; "Memórias
Póstumas de Brás Cubas" se intitulasse apenas "Brás
Cubas"; se Hitchcock tivesse tido a loucura de, em vez de "Psicose",
ter denominado o seu filme "Assassinato No Motel"; se Rubem Braga
no lugar de "Ai de Ti Copacabana", tivesse intitulado sua crônica,
"Profecias À Beira-Mar; se W. Shakespeare não tivesse tido
o bom senso de colocar na sua famosa peça o poético nome "A
Midsummer Night's Dream" ("Sonho De Uma Noite De Verão)? Não
diria que nenhuma das obras citadas não tivesse tido muito sucesso, pois
isto seria uma insensatez, mas, certamente, este teria sido bem menor.
Por outro lado, existem também os entulhos cujos títulos
pretensiosos em nada ajudaram, embora tivessem chamado atenção,
pelo menos a princípio; e há também aqueles que, apesar
de títulos relativamente estéreis teriam de se sobressair de um
modo ou de outro por se tratar de obras primas, como é o caso, por exemplo,
de "Os Sertões". Afinal, aquilo que tem qualidade sempre acaba
se impondo. De qualquer modo, me parece uma afirmativa, no mínimo, leviana
pretender que o título não influa no êxito de uma obra de
arte, e esta leviandade poderia beirar a alienação mental quando
o seu autor pretende que, mesmo não havendo título algum, ela
obtenha alguma repercussão. Se, por exemplo, eu tivesse intitulado esta
escrevinhação de Um dos fatores determinantes do valor intrínseco
de uma obra literária e artística, você a teria lido,
amigo (a) leitor (a)? E se não contivesse nenhum título, teria
sequer lançado uma vista d'olhos sobre o meu texto? A gente vê
cada uma...