A Garganta da Serpente
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O Laboratório Internet

(Raymundo Silveira)

Não se aprende, Senhor, na fantasia,
Sonhando, imaginando ou estudando,
Senão vendo, fazendo e pelejando
.”
(Luís de Camões: Os Lusíadas, canto X)

Há pouco menos de vinte anos, quando ainda não havia a Internet, quem soubesse escrever um texto encontraria muito mais dificuldade em publicá-lo do que hoje em dia, escrever um texto, quem pensa que não é capaz de fazê-lo. Por outro lado, quem já escrevia bem, agora passou a fazê-lo muito melhor. Em outras palavras, a Internet é, ao mesmo tempo, uma escola, um laboratório e um excelente meio de divulgação de escritores. Esta afirmação não é muito difícil de ser demonstrada, basta comparar a quantidade e a qualidade de escritos e de escritores que existiam antes e depois do seu advento. Parece também uma assertiva óbvia, e é mesmo, entretanto não se lhe tem dado o devido valor pragmático.

“Tudo bem, cara pálida; mas para que tantos escritores?” É aí onde se encontra o busílis. Evidentemente, não precisamos de uma quantidade exorbitante de escritores profissionais, mas um povo que não é capaz de elaborar e escrever as suas idéias, é um povo fadado ao fracasso. Palavras ao vento? Então citem uma única nação desenvolvida, seja no tempo, seja no espaço, em que o seu povo não tenha sabido pensar e registrar as suas criações intelectivas! Por que existiram a Cultura Egípcia, a Grega e a Romana? Teria sobrevivido, por tanto tempo e com tanto esplendor, qualquer uma delas se não fossem os pensadores e, conseqüentemente, os escritores?

No Museu do Cairo encontra-se uma estátua que representa um escriba sentado, com as pernas cruzadas, tendo sobre as coxas uma espécie de prancheta contendo um rolo de papiro. Embora os egípcios observassem escrupulosamente uma certa simetria em suas esculturas, a cabeça do escriba encontra-se ligeiramente voltada para a direita, sugerindo que estivesse refletindo sobre o que iria escrever. Os escribas faziam parte da corte e viviam muito próximos dos Faraós. Os antigos egípcios, portanto, consideravam a profissão de escritor como uma das mais importantes e não é à toa que aquela civilização ainda hoje – quatro mil anos depois – ainda espanta a humanidade.

Contudo, não se está a defender aqui a idéia de que nos tornemos uma população de 180 milhões de escribas, longe disto; mas que tentássemos nos tornar uma nação de 180 milhões de pessoas que sabem escrever, o que é muito diferente. Numa pequena resenha que redigi ontem sobre uma Antologia, escrevi este trecho: “Infelizmente, um dos mais graves defeitos do nosso povo - sobretudo o dos jovens - é a dificuldade que tem de construir alguma idéia, não diria original, mas pelo menos lógica; por isto sou um ferrenho adepto de uma concepção heterodoxa:- a de que a Internet deveria ser um universo ilimitado de escritores. Em outras palavras, que cada internauta se transformasse num escritor. Evidentemente, o problema não seria solucionado apenas com esta medida, mas ela certamente seria ‘o pequeno passo de alguns brasileiros e um gigantesco salto para o Brasil’, parodiando o primeiro homem que pisou a superfície lunar”.

Escrever não é elitismo; não é esnobismo; não é diferenciação de classes. Escrever – e escrever bem – é uma necessidade imperiosa. E a Internet é uma ferramenta de fundamental importância da qual não podemos nos dar ao luxo de prescindir. Assim como existem as escolinhas para formar jogadores profissionais, por que não existir também as escolinhas para formar pessoas que sabem escrever bem? Afinal de contas, ganhar um prêmio Nobel de literatura é tão importante e honroso quanto ser pentacampeão mundial de futebol. Ou não é?

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