Um dia desses alguém me perguntou o que eu achava da situação
dos escritores brasileiros. Respostei com outra pergunta: a que espécie
de escritores você se refere? Pois falar homogeneamente desta "classe"
é tão absurdo quanto indagar sobre o formato das nuvens. Entretanto,
forçando um pouco a barra e com muita boa vontade, dá para cuidar
de uma caricatura de classificação. Neste exato momento abro um
parêntese porque estou rindo ao me lembrar dum dono de bar. Ele classificava
os bêbados, basicamente, em três tipos: pai d'éguas, éguas
e filhos duma égua. Fecho o parêntese. Voltemos aos escritores.
É mais ou menos a mesma coisa, mas a reverência que tenho por quem
escreve me impede de prosseguir na linha de raciocínio do barman.
Poria, então, os meus colegas, grosso modo, também em três
categorias: os que ganham dinheiro para escrever, os que não ganham nem
gastam nada e aqueles que pagam. Os primeiros poderiam ainda ser distribuídos
em duas subclasses: os que auferem, com a escrita, dinheiro suficiente para
se manterem, quem sabe até para enriquecerem, e os biscateiros.
Até aqui não comento nada inédito nem extraordinário.
Todos sabem que é isso mesmo. Todavia, a questão não é
tão simples quanto se supõe. Por exemplo, até que ponto
um autor almeja fazer da escrita a sua única fonte de renda? Será
que alguns não se sentiriam muito mais bem "remunerados" por
serem conhecidos, lidos e reconhecidos pelo maior número possível
de leitores? Ou pela crítica? Trata-se, portanto, de uma matéria
subjetiva.
Muito diferente é a situação de quem paga para ser publicado.
Já se ouviu demais que todos os grandes autores assim procederam no princípio
da carreira. Ou seja, ninguém escapou de pagar pelo seu volume de papel
impresso com o nome na capa. Não há dúvida. Foi isso mesmo.
Ou seria assim, ou jamais se tornariam escritores. Pelo menos, escritores minimamente
lidos e conhecidos. Machado de Assis certamente pagou para mandar imprimir os
seus primeiros romances. Mas os defensores deste argumento esquecem de um pequeno
detalhe: no tempo do bruxo do Cosme Velho era comum acreditar-se infinitamente
mais em almas penadas do que em Internet.
Imaginem José de Alencar com um computador e um modem conectados à
rede. Haveria sentido se ele deixasse de publicar, gratuitamente, "O Guarani"
e preferisse pagar caro e ficar esperando para ser editado, em capítulos,
em semanários lidos por algumas centenas de gatos pingados? Ou os editaria
logo ao terminar de redigir, tornando-os imediatamente disponíveis para
os milhões de leitores do mundo que entendessem o português?
Contra isto, existe o argumento da violação dos direitos autorais.
Tudo bem. Obviamente, o Carlos Heitor Cony, a Márcia Denser, o Paulo
Coelho, a Lygia Fagundes Teles, o João Ubaldo Ribeiro, a Urda Alice Klueger
não seriam idiotas a ponto de atirarem para o ar as suas obras, avidamente
disputadas, a troco de nada. Mas, minha gente (esta expressão...),
nós não somos eles. Ponham os pés no chão. Caiam
na real. Se manquem. Demos graças a Deus e aos sites que publicam as
nossas escrevinhações. De graça. Com graça. Bonitinhas.
Para o mundo inteiro ler. Alguns, inclusive, em traduções para
vários idiomas. Pois saibam que tem muita gente pagando caro por muito
menos disso.
(22/08/2005)