Até ontem à noite eu não sabia o que significava a expressão
"escritor marginal" e graças (ou desgraças) a essa ignorância,
propendia a encará-la com uma certa reserva. Quanta falta faz um mínimo
de informação, Deus meu! Uma luz se fez na minha consciência
depois que li um artigo nesta bendita Internet e hoje acordei pensando assim:
"Quando eu crescer, e deixar de ser um escrevinhador, tudo o que quero
ser nesta vida é precisamente um escritor marginal". O homem
que me tirou das trevas e iluminou a minha consciência se chama Ezio Flavio
Bazzo. O título do artigo escrito por ele é "O Mito do Escritor
Marginal" e se trata de uma Palestra feita na UnB - Universidade de Brasília
- a convite dos alunos de Psicologia.
De acordo com ele, a expressão é antiqüíssima. Retroage
ao século XVIII. Teria sido uma pecha que os editores daquela época
assacavam, com propósitos puramente econômicos, contra os autores
que preferiam publicar, por conta própria, as sua obras literárias
ou científicas. E ainda hoje permanece porque determinados escritores
insistem, apesar das inconveniências, em continuarem situados à
margem da indústria editorial convencional, sem nenhum estatuto,
sem nenhuma lei, sem qualquer entrave de natureza burocrática. Seriam
espécies de escritores virtuais, emergentes ou cibernéticos, destes
que escrevem (ou escrevinham) na Internet. Ou seja, de repente descobri que
sou, não exatamente um escritor, mas um escrevinhador marginal. Quanta
honra! Mesmo o autor tendo declarado peremptoriamente que esta gangue se encontra
do outro lado da cerca de arame farpado "pois tudo neste planeta beato
conspira" para que os escritores marginais sejam terminantemente jogados
no lixo ou cooptados pelo establishment cultural, repito: "Quanta honra!"
Contudo, como não sou de atirar palavras ao vento, irei tentar explicar
o porquê desta deferência. Em primeiro lugar porque sempre fui uma
pessoa que tentou ser livre. Que toda vida costumou dizer o que tem vontade
independentemente da vontade das outras pessoas. Um fulano qualquer que nunca
abdicou da sua liberdade em troca de benesses de quaisquer espécies.
Que toda vida possuiu dignidade e independência para não se submeter
aos poderosos, aos donos das suas verdades e candidatos a donos das verdades
alheias. A altivez para entrar onde quiser e sair de onde quiser sem deixar
para trás o rastro vil da subserviência. Em suma: uma alimária
sem cabresto.
Depois, porque me vejo lutando (ou lutei e jamais consegui) a fim de estar acompanhado
de gente que admiro. Embora o autor faça restrições a algumas
dessas pessoas em virtude de haverem se comportado ambiguamente em relação
à marginalidade, porque teriam se deixado cooptar pelo sistema - e neste
ponto discordo dele, pois nesta jornada acidentada que é a vida, nunca
somos imutáveis -, foram considerados escritores marginais nada menos
do que os seguintes nomes: Rimbaud, Baudelaire, Balzac, Lima Barreto, Gregório
de Matos, Leminski, Jean Genet, Samuel Rawets, e Plínio Marcos entre
outros gênios da literatura. Para falar a verdade, confesso que quando
vi esta listagem achei que seria até muita pretensão da minha
parte querer ser (mesmo quando crescer) um escritor marginal. Daria-me por muito
feliz, satisfeito, realizado se fosse considerado pelo menos um escrivão,
um escrevente, um escriturário, um escriba ou até mesmo um fariseu.
Contanto que fosse marginal.
(21/08/2004)