A Garganta da Serpente
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De Redundantes e De Loucos, Todos Nós...

(Raymundo Silveira)

Pleonasmos, redundâncias, circunlóquios, excessos, são algumas das mais freqüentes lesões corporais que costumo perpetrar à "Flor do Lácio" e não precisaria sequer completar esta oração, pois as suas primeiras palavras já falam por si sós. De fato, costumo cometer redundâncias e deixar passá-las despercebidas mesmo depois de duas ou mais revisões, embora aquelas pessoas que vivem me enchendo a paciência por causa disto nem sempre tenham razão; é o caso de na grande maioria das vezes. Nunca irei me convencer de que isto é um pleonasmo nem que Camões, Herculano, Garret, Camilo e outros puristas ressuscitassem e viessem dizer na minha cara: "é pleonasmo, sim sua anta". Para mim, uma determinada maioria continuaria sempre a ser grande, média ou pequena, apesar da opinião em contrário de uma grande poeta minha amiga. Por outro lado, quanto a suicidar-se confesso hesitar um pouco, mas mesmo assim, ainda não estou absolutamente convencido. A propósito, absolutamente convencido não seria mais um? Seria possível alguém se convencer de alguma coisa apenas parcialmente? Sei não... Sei não. Mas se formos analisar rigorosamente os textos da grande maioria dos nossos escritores, iríamos deparar com mais pleonasmos do que com grãos de areia no mar.

Poderia citar inúmeros exemplos de redundâncias cometidas por autores famosos, inclusive por aqueles considerados clássicos, como também, muitas situações duvidosas, como é o caso do suicidar-se. Não o farei, porém por três motivos. Ó céus! Lá vem mais uma das minhas famigeradas fugas de idéias das quais não consigo me livrar nem a pau. O episódio que irei contar não tem nada a ver com redundância, mas com os tais três motivos. Um colega médico possuía um automóvel para vender e um dos interessados pediu para examiná-lo e experimentá-lo antes de comprar. "Claro, amigo. Como não?" O cliente assumiu o volante, deu partida no sedan do doutor e o levou à oficina de um mecânico de sua confiança, experiente conhecedor de carros usados. Rodou ainda cerca de uma hora pelas ruas da cidade. Usou e abusou. Engatava a primeira velocidade quando o motor exigia a terceira; freava bruscamente e depois acelerava; deu vários cavalos de pau, deitou e rolou, fez o diabo. "Doutor João, seu carro é ótimo. Infelizmente não posso comprar agora por três motivos". "Diga lá companheiro; quais são?" "Primeiro, porque não possuo o dinheiro agora..." "Basta, basta, basta, amigo. Não quero ouvir os outros dois!"

Pois eu também não vou citar os famosos exemplos de pleonasmos da literatura portuguesa por três motivos: primeiro porque não tenho saco para ir procurar agora. Calma! Queiram por favor, saber quais são os outros dois; juro que irão gostar. Segundo, porque alguns se tratam de situações meio duvidosas e estarei correndo o risco de iniciar uma grande briga, e antes de entrar numa delas ofereço um boi para não começar, mas quando já estou brigando, dou uma boiada para não sair. Reconheço que este é mais um daqueles chavões idiotas os quais tanto detesto; e mesmo que não detestasse nunca possuí na vida um bezerro desmamado, imagine uma boiada. Porém não estou aqui para detestar ou gostar de alguma coisa, mas para escrever sobre qualquer uma delas. Em terceiro lugar, não irei citar as redundâncias famosas da nossa língua porque tenho uma história muito divertida para contar no lugar delas.

Certo cirurgião-dentista de uma aldeia próxima à minha veio de trem para Fortaleza a fim de consultar um oculista e retornou usando um bruto par de óculos. Numa das estações intermediárias encontrou um advogado seu conhecido que o indagou surpreso através de uma expressão que era muito mais do que uma redundância: tratava-se de uma imbecilidade: "Usando óculos, Bené?" Se fora eu o tal cirurgião dentistas já responderia logo de cara: "não, usando máscara! Não está próximo o carnaval? Pois resolvi começar logo a usar máscara! ". Mas como o "Tiradentes" cearense era muito tímido e humilde, respondeu apenas isto: "Pois é, Teó..." Mas o Dr. Teófilo não se contentou e insistiu: "Mas afinal, o que é mesmo que tu tens, Bené?" "Rapaz, o Doutor Oto Audiovisto lá de Fortaleza disse que é uma miopia na vista". "Pelo amor de Deus, homem! Não repete nunca mais isto! É um pleonasmo". (Não repetir nunca, é ou não é?) Ao chegar à sua aldeia o Doutor Benedito foi interpelado por outra pessoa amiga: "usando óculos Bené? (não, um pára-brisa de caminhão era o que eu diria se estivesse no lugar dele), o que tens?" "Rapaz, o Dr. Oto Audiovisto lá de Fortaleza, disse que é uma miopia na vista, mas quando passei por Sobral o Teófilo Gregório disse que é um pleonasmo, por isto não sei mais do que se trata!" "Que é isto, Bené! O Teófilo só quis te chamar atenção para a frase que tu usaste. Bastava que tivesses dito: 'estou com miopia'. Miopia na vista é uma excessiva redundância, cara." Agora pergunto eu: Excessiva redundância é ou não é, hem Helena Armond?

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