Drummond escreveu assim: "Quando nasci, um anjo torto, desses que vivem na sombra disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida..."
Adélia Prado escreveu: "Quando nasci, um anjo esbelto, desses que tocam trombeta, anunciou: Vai carregar bandeira. Carga muito pesada pra mulher. Espécie ainda envergonhada..."
Chico Buarque escreveu: " Quando nasci, veio um anjo safado O chato dum querubim E decretou que eu tava predestinado A ser errado assim. Já de saída a minha estrada entortou, mas vou até o fim..."
Dôra Leal, A Vestida de Água, escreveu: "Quando nasci, um anjo distraído, desses que vivem nas nuvens, desejou: Vai, menina! Navegar em águas tranqüilas. Que ledo engano! As águas caminharam rapidamente e eu nem aprendi a nadar..."
Adélia, Chico e Dôra Leal estabeleceram intertextualidade em relação a Drummond.
Foi por falta de criatividade? Claro que não! Foi por reiteração de imagens.
Em seu POEMA DE SETE FACES, Drummond usa o termo "gauche", fr (gôshi), que quer dizer deslocado, à esquerda dos acontecimentos. Ali, o poeta manifesta o seu pessimismo e personalidade reservada e tímida.
Intertextualidade é a alusão que um texto faz a outros textos já escritos, às idéias já existentes e aos motivos culturais já desenvolvidos por outros escritores.
Isso é plágio? Claro que não! Machado de Assis é mestre nisso. Em Dom Casmurro , ele cita Otelo, personagem de Shakespeare para que o leitor analise o drama de Bentinho. Ele visualizou o valor desse artifício bem antes do Modernismo. O nosso Raymundo Silveira também o faz nos seus contos geniais.
Quando usamos esse recurso, estamos reelaborando as mesmas idéias com pontos de vista diferentes.
A criatividade e o saber são fruto da soma das nossas leituras e experiências, nesse maravilhoso ato de escrever...