(Com a participação efetiva das criaturas fantásticas do blog Letras de Morango, da Madalena Barranco)
Magalena: ler o "Mundo assombrado pelos demônios", livro
do Carl Sagan que ajuda a desmistificar e a enxergar a mentira que nos é
apresentada como verdade, me deixou com vontade de cortar tudo que se faz passar
pelo que não é. - Maria Fantasia?!
Maria Fantasia permaneceu em silêncio. Então, pensou Magalena,
o que era aquele farfalhar de papel que vinha de atrás do sofá
branco? Magalena, receosa, foi até a cozinha e armou-se com uma panela
de pressão. Quando Maria Fantasia pressentiu o perigo fazendo-lhe pressão,
resolveu falar.
Maria Fantasia: calma! Hoje é dia treze e todo cuidado é
pouco. Oh, eu acho que é dia treze, porque fantasia não tem tempo
certo para acontecer... Então, eu resolvi me esconder do mundo atrás
do sofá e relaxar.
Magalena: dessa vez você quase vira sopa de letras com cenouras!
Agora meus legumes ficaram sem panela e terão que esperar pela faca.
Maria Fantasia: ora, para satisfazer seu desejo cortante eu terei que
consultar o "livro sem palavras" e procurar pela dama da Morte.
Maria Fantasia segurava um baralho de Tarô de Marselha. As cartas/arcanos
de o "livro sem palavras" produziam em suas mãos o som de páginas
sendo viradas.
Magalena: saia daí, Maria Fantasia e traga um de seus escudeiros
para ajudá-la. Pode ser o gnomo Verde... Sentem-se comigo no sofá
branco e vamos conversar na fresta de repouso entre as duas dimensões
da sala, sem que para isso tenhamos que esconder-nos atrás de alguma
coisa. Chame a "Morte", junto com a foice dessa dama de muitos destinos,
que habita o arcano XIII do Tarô.
Maria Fantasia: fale baixinho! Assim você pode acordar a dama
da Morte.
Magalena: ora, a "Morte" é uma figura imaginária
que sobrevive cortando tudo, inclusive, fantasias infundadas. Após ler
o livro de Carl Sagan, eu busco algum fundamento em tudo!
Naquilo, Maria Fantasia sentou-se no lado aberto do sofá e alisou o
pescoço para certificar-se de que ainda estava no lugar. Depois, o gnomo
Verde apareceu do nada e embaralhou as cartas. Ela abriu o Tarô ao meio
e surgiu o arcano XIII. Aí, o sorriso de Maria Fantasia desapareceu dando
lugar a um esqueleto desdentado, enquanto o frágil gnomo da cor da esperança
deu um pulo de horror e sumiu dentro do vaso de flores da fortuna. Lembrem-se
de que a fantasia pode assumir a forma que quiser.
Magalena não se perturbou com a travessura da amiga, que se aproveitou
do fundo branco do sofá a fim de parecer maior do que era. Fora dos livros
Maria Fantasia era frágil. Se não fosse pelos escritores do mundo
que a alimentavam com palavras escritas, a fantasia já teria sucumbido.
"Enquanto não morreres e não tornares
a levantar-te,
Serás um estranho para a terra escura." Goethe.
Maria Fantasia: já que fui flagrada, falarei sobre o arcano XIII
do Tarô: a "Morte" geralmente é representada por um esqueleto
com uma foice nas mãos. E para quê tanto pânico, que se traduz
em medo infundado? Incutir medo é artimanha de "adivinhador",
que gosta de amedrontar os outros. O referido cientista, Carl Sagan, alertou-nos
sobre possíveis engodos. A verdade de um livro está no eco que
suas palavras produzem no leitor e também em sua reflexão e pesquisa.
Magalena: a leitura sobre qualquer assunto deve ser selecionada. Por
isso, cito o melhor livro que eu conheci em minha jornada em busca do "livro
sem palavras", que é o Tarô, onde suas figuras refletem os
arquétipos do homem, sugerindo enigmáticas histórias de
vida. Algo assim, como se ao ver/sentir as imagens, o leitor abrisse o mecanismo
interno do próprio livro e conseguisse ler o seu talvez perdido atemporal
momentâneo.
Maria Fantasia: a Magalena refere-se ao livro "Jung e o Tarô"
de Sallie Nichols. Seu estudo me leva a refletir na presença dessa esquálida
e constante dama: a "Morte", em nossas existências.
Falar sobre o Tarô e suas ainda inexplicáveis origens, devolve-lhe
a respeitabilidade perdida nas mãos da inconseqüência. Por
isso, a dama da Morte corta tudo que é falso sem mesuras e deixa o livro
da vida limpo e aberto. Cabe a nós escrever sobre as novas linhas do
tempo nas páginas em branco.
Depois de afastar a "Morte" do baralho, Maria Fantasia puxou outra
carta. Em suas mãos surgiu "O Louco" - o tal do arcano zero...
Magalena: a "Morte" lhe pregou uma peça, pois, 0 +
13, resulta em 13! Quem mandou você tentar confundir-me? Dizem que "ela"
é quem vai ao nosso encontro. Ainda bem que seu significado é
CORTE e não MORTE! Leiam um trecho do citado livro da Sallie Nichols:
"O Trunfo número treze mostra um esqueleto manejando uma segadeira
(...). Jazem a seus pés os corpos desmembrados de dois seres humanos.
Retrata-se então o desmembramento: suas idéias (cabeças),
seus pontos de vista (pés) e suas atividades (mãos) passadas jazem
inúteis, espalhadas pelo chão. Todos os aspectos da vida anterior
(do homem) parecem ter sido cortados (...) a indicar que (ele) não mais
regerá o próprio destino à maneira de antanho."
Com adendas da Magalena.
A seguir, sintam o esqueleto sob os próprios ossos, neste outro trecho:
"Impessoal e universal, o esqueleto é o nosso segredo mais pessoal,
coisa escondida, tesouro enterrado profundamente em nós mesmos, debaixo
da nossa carne. Podemos tocar a pele, as unhas, os cabelos, os dentes, mas não
podemos tocar os ossos. Normalmente nunca os vemos; entretanto, como o inconsciente
profundo, são o nosso mais verdadeiro eu..."
Sallie Nichols foi discípula de Carl Gustav Jung, psicanalista suíço
(1875 - 1961). Seus estudos sobre os arquétipos do Tarô fazem com
que suas imagens provoquem respostas às nossas perguntas com a interpretação
desse curioso e antigo "livro", conhecido como Tarô. Sallie
analisa cada arcano como representante das etapas da jornada do homem rumo à
própria integração, que Jung chamou de individuação.
Magalena: ah, lembrei-me de que preciso cortar algo...
Maria Fantasia escondeu-se rapidamente atrás do sofá. Ela apenas
voltaria a aparecer em outro texto da Magalena.
Magalena: será difícil convencer Maria Fantasia a sentar-se
no meu sofá em branco para outra conversa... Mas, agora eu preciso cortar!
Por que sei que depois virá a fumegante "sopa" a que J.R.R.Tolkien,
autor de "O Senhor dos Anéis", se referiu em seu ensaio "Sobre
histórias de fadas".
E a Magalena voltou à cozinha para finalizar a sopa e cortar as cenouras.
O gnomo Verde ficou à espreita do próximo texto - talvez ele fosse
alimentado com a tal "sopa" de Tolkien. Nesse ínterim, apareceu
outra criatura, que desde uma prateleira esquecida na despensa da fantástica
cozinha, resmungava:
Bruxauva: sem mim isto não funciona! Bah, para falar sobre fantasia
e sua realidade implícita, a Magalena deveria ter me chamado em vez de
afiar o ego da tal dama da Morte. Aguardem-me no próximo texto "Palavra
de Fada". Eca! Não poderia ser "Palavra de Bruxa"?
Madalena Barranco, com a participação efetiva da turma das criaturas
fantásticas do blog Flor de Morango - prosa e poesia.