Um dos últimos artifícios solitários para alimentar o
espírito é a leitura. Quem de fato exige um canto de sossego para
cultivar e se alimentar dessas letras encontra muita dificuldade na hora de
se concentrar em meio a tantos barulhos da civilização. Pois a
era do grito, do microfone e do carro de som, além dos apelos visuais,
é constatada facilmente: basta abrir os olhos.
Na semana passada, comentei sobre a "polulixão" sonora, com
o intento de bradar a nossa resistência ao frenesi que reverbera altos
decibéis, deixando débeis inúmeras cabeças. Mas
para o leitor conseguir seu canto mineiro de paz, e se concentrar num texto
como este, pode ser que o leitor desenvolva um método de "foco único",
quando se desliga de todas as atenções e fatos que o cercam.
A leitura já foi extremamente barulhenta. Antes do século X, o
costume era ler em voz muito alta. Os lugares para a leitura, as bibliotecas
e as salas de estudo eram uma zoada terrível. Quando apareceram as dicas
do poder de pontuação; assim - pausadamente -, para intercalar
um pensamento no texto, e dar tempo de o leitor, você, poder respirar
melhor e oxigenar, com essas vírgulas e parágrafos, o cérebro,
contribuindo para aumentar a concentração.
Os antigos acentos, como ocorria em "êle" para diferenciar da
letra "L", tornaram-se desnecessários somente no século
passado. Assim, alguns avanços lingüísticos possibilitaram
que a balbúrdia da leitura em voz alta pudesse silenciar-se em maior
concentração.
Para interromper a realidade mundana e viajar nas páginas dos livros,
esse recolhimento pessoal e silencioso que propicia até mesmo um autoconhecimento,
o aprimoramento estético ou gráfico dos livros e de seus materiais
realmente incentivou a leitura. Entretanto, por ser muito caro o acesso aos
livros (quem mais ganha são a distribuidora, a editora e a livraria),
a idéia de disseminar livros em cestas básicas parece outra maneira
de difundir o costume individual da leitura.
Com o mundo atual tão disperso em poluição sonora, o vislumbre
de luzes e cenas, a TV, o som de vozes e músicas em filmes, constantemente
vence o hábito discreto da leitura. A Câmara Brasileira do Livro
e o Sindicato Nacional dos Editores de Livros fizeram uma pesquisa e constataram
que as editoras brasileiras venderam mais livros: em 2004, foram mais de 300
milhões de exemplares (12,84% a mais do que a queda de 20,20% em 2003).
Então, o brasileiro está lendo mais? Não! O BNDES, segundo
o professor Antonio Borges, depois de intensa pesquisa, garantiu que a indústria
editorial brasileira atravessa uma grave crise e, desde o Plano Real, as vendas
de livros caíram pela metade. Um contra-senso, pois as editoras se multiplicaram,
mas diversas livrarias estão fechando as portas. Em 2004, o Brasil contava
com um número de livrarias que não chegava à metade do
número de editoras.
Outro problema: existem muitos leitores de livros como Sabrina, esses romances
de R$ 1,00, que alguns leitores julgam-se vorazes por uma grande quantia de
livros já lidos. Além disso, a modernidade vazia do mundo faz
com que leitores busquem nos livros alguns meios de melhorar a vida com a hipnose
da auto-ajuda, ou os sensacionalistas, talvez os únicos filões
ainda rentáveis.
Ler muito nunca foi ler bem. A literatura é um processo de descoberta.
Ler é um processo qualitativo, essencial para a formação
do ser humano. Muitas vezes os melhores livros não estão em listas
dos mais vendidos, nem são fáceis de serem encontrados. Quem sabe
se houvesse uma descoberta pelo prazer de mergulhar num bom texto, pela leitura
literária analítica, nossa bagagem cultural diminuiria tantas
picuinhas e tanto barulho aí de fora.