A Garganta da Serpente
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Poesia da primavera

(Leonardo Teixeira)

Há uma certa tendência na literatura atual pelo minimalismo, a exemplo do movimento Práxis. Os minicontos priorizam os leitores cada vez mais distantes, com menos tempo para se dedicarem à leitura. Entretanto, a leitura, como alimento prioritário da alma, revigora o crescimento intelectual pela arte. E a poesia é a verdadeira essência da palavra, o cerne de toda a literatura. Obra de arte lapidada.

Eis um perigo: reduzir a poesia à minúscula verve e relevá-la ao mar das coisas comuns. Ledo engano. A poesia sempre deve estar comprometida com a essência, com o sentimento, com a visão das coisas aparentemente invisíveis ao homem comum, como diria Octavio Paz.

Carregar o fardo de poeta num mundo tão avesso e cruel é árdua tarefa. E a poesia também é essencialmente lírica. A metáfora é a jóia máxima de toda arte poética. A primavera de 2005 trouxe uma novidade poética. O livro Punhos da Primavera, a ser lançado hoje às 19h30 na Fundação Jaime Câmara, é de um poeta comprometido com a palavra, com a metáfora e a lírica sempre lapidando as palavras. Os poemas de Weder Soares não são tão curtos quanto essa nova tendência, mas não torrencialmente longos como os tradicionais românticos. Weder busca nos versos a sua verdadeira identidade, como se pegasse as palavras pelos seus miolos, tirasse as suas cascas adjetivais excessivas, cortasse alguns fiapos verbais e debulhasse as imagens líricas e lúdicas, brincando com os parênteses, dando dois sentidos ao mesmo contexto. Weder imprime a musicalidade nas Árias, nos Cantos, nas Sonatas e no restante de seus versos, desconcertando o leitor desavisado. Vai "soletrando as ruas", "desmanchando sol", "apresentando o mar", desatando o "nó de fel/icidade", em "versos empoeimados" que "entre os dedos afago"; me "curvo ao pé do poema" e guardo na "caixa de segredos". Há lembranças de Yêda Schmaltz? Sim. Cada palavra é o impacto de um murro, desses Punhos de Primavera. O leitor fica atordoado.

Por isso é que se diz que cada leitura muda o leitor. Impossível ser o mesmo depois de ler qualquer bom livro. Sem pretensão mercadológica, os melhores livros não costumam ficar em listas dos mais vendidos. Segundo o crítico Antônio F. Borges, "a boa ou má qualidade de um livro não decorre absolutamente dos resultados financeiros, embora às vezes a recíproca possa ser verdadeira: afinal, livros ruins num país sem larga tradição de leitura... bem, é fácil deduzir o resto da equação".

Tanta revolta revelaria lamúria por uma cultura escassa que se vende (e caro) por muito lixo. Mas é o preço que se paga para, ao invés de massagear a massa cinzenta, enaltecer o ego, num mundo necessitado de valores. Gosto não se discute, mas a boa leitura não se vende e nem se ganha: aparece para alimentar o espírito.

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