Fiquei sabendo que foi proposta na segunda fase do vestibular da UFG a elaboração
de uma crônica, na prova de redação. O problema é
que um número razoável de candidatos não sabia e nem sequer
tinha lido uma crônica. É que uma parcela da juventude ignora e
desconhece o prazer da leitura, inclusive confundindo um dos grandes nomes da
crônica brasileira (Rubem Braga) com o autor de novelas Gilberto Braga.
Isso é uma situação crônica.
Rubem Braga já foi comparado ao poeta francês Baudelaire pelos
poemas em prosa, mas o que o marcou mesmo foi o lirismo de suas crônicas,
que esmiuçavam o cotidiano, às vezes com ingredientes como o humor
fino e a sátira, mesclando a língua culta com a linguagem coloquial
das ruas, lapidando o trivial, os fragmentos e engrandecendo miudezas!
Penso que houve outros excelentes cronistas, como Paulo Mendes Campos (de lirismo
ímpar), Fernando Sabino (conhecido pelo humor) e Carlos Drummond de Andrade,
que sedimentaram a crônica como gênero literário. Mas o que
ficou em evidência, numa discussão em São Paulo, é
que Rubem Braga não teria espaço nas colunas de crônicas
atualmente, segundo um articulista do Jornal do Brasil: "Hoje em dia os
jornais preferem os textos de opinião, além de ser raro encontrar
quem ainda sai pelas ruas observando, colhendo impressões para seus textos
e lançando um olhar sobre a cidade e seus habitantes". Joaquim Ferreira
dos Santos, cronista de O Globo, acha que a "crônica atual acompanha
a temperatura dos jornais e conserva o pique quente de que precisa para não
se perder em meio ao noticiário. Quase todos os cronistas hoje têm
formação jornalística. Alguns nem fazem crônicas,
mas artigos, editoriais, ensaios etc".
Wilson Martins, cronista do Jornal do Brasil, acha que a crônica, hoje,
está dispersiva, o que enfraquece o gênero e dificulta o surgimento
de novos estilos: "Como parece um gênero literário fácil,
qualquer um acha que pode escrever uma crônica. Mas crônica não
é devaneio, necessita de uma espinha dorsal que sustente o texto e um
preparo refinado de um autor".
O fato é que a crônica continua sendo o gênero menor da literatura
e talvez seja o último fôlego experimental, o último espaço
ainda existente no jornal para o escritor. A parte "mais leve" e também
mais fictícia do jornalismo.
Lamento que hoje não há nenhum cronista goiano que possa sobreviver
(muito menos sustentar a família) com suas colunas. Mas ao menos por
aqui ainda há espaço para os que se enveredam pelo cotidiano e
pelo lirismo literário da crônica. Acabei me esquecendo de mencionar
o que a UFG considera uma boa crônica: conter uma linha narrativa consistente
que evidencie discussão e reflexão a respeito de fatos ou de situações
do cotidiano, com o objetivo de divertir ou trazer uma análise crítica
consciente desses fatos; com a presença de elementos constitutivos do
discurso narrativo-expositivo: operações com narrador, personagens,
figuratividade, situações, tempo, espaço, fluxo de consciência
etc; organização consciente da progressão temporal, indicando
posterioridade, concomitância e anterioridade entre os episódios
criados; e um projeto consciente de um texto com características jornalísticas
ou literárias.
Talvez ainda haja mais itens e que esse rol taxativo esconda as múltiplas
possibilidades literárias que a crônica oferece. E, por fim, talvez
seja uma excelente hora exigir esse tipo de estrutura para um vestibulando.
E que eles possam não só prestigiar, mas fazer a diferença
nesta hora tão importante da vida. A leitura e a prática engrandecem
a sabedoria; alimentam o espírito!