Desligue a TV, cale os sons do rádio que gritam a rapariga, a patricinha,
a eguinha pocotó, o samba-pagode-axé-brega-requebra-chuchu. O
momento agora é leitura.
Quando se alimenta a crença na educação pela arte, corre-se
o risco de enveredar pelos caminhos absurdos de uma quase solidão rumo
à contra-maré. Porque na literatura há uma certa tendência
ao ostracismo intelectual que é bastante empregado nas livrarias e nos
meandros do mercado editorial. Explico: a maré conduz o fluxo dos leitores
para uma cachoeira denominada "letras de auto-ajuda para massagear o ego
vazio". O mercado distribuidor e editorial costuma bancar o financiamento
das listas dos mais vendidos, expostos na vitrine, que são geralmente
manipuladas.
Início de século traz a moda das coletâneas dos mais vendidos,
dos mais influentes, dos clássicos, dos cem melhores. E um processo de
mitificação transforma escritores, gente comum que paga impostos,
em semideuses. Ler Machado de Assis, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos,
Clarice Lispector, Bernardo Élis, Hugo de Carvalho Ramos, Borges, Joyce,
Kafka e Proust é muito bom e importante. Mas, como já disse Nelson
de Oliveria, "a leitura tem que ser triocular: um olho no passado canonizado,
o segundo no passado quase esquecido e o terceiro no presente. Esse é
o tripé do equilíbrio literário. Por isso é que
boa parte da crítica vive levando tombos, pelo olhar caolho no lado 'canônico',
dando as costas aos autores relegados ao limbo dos injustamente amaldiçoados
pelo esquecimento, não por falta de talento, mas por falta de interesse
dos olhares de antolhos", que seguem aquela maré.
Viver numa terra precária foi o que deixou o grande romancista pantaneiro
Ricardo Guilherme Dicke muito tempo sem publicar. Dessa mesma terra saem as
poesias de Manoel de Barros. Os melindres e contradições deixam
a cultura brasileira sofrer de uma injustiça crônica do tipo amnésia
caolha. Isso foi um dos motivos que fez o brilhante escritor Raduan Nassar abandonar
a literatura para criar galinhas. Brasigóis Felício já
disse que nós outros, "na província de Bóias",
também sofremos com a fartura: aqui farta quase tudo nessa precariedade!
Não vamos esquecer de José Agrippino de Paula, Campos de Carvalho,
Uilcon Pereira, Maura Lopes Cançado, Rosário Fusco e tantos outros
que ficaram parcialmente ocultos. Vamos ver o presente em Francisco Perna Filho,
Valdivino Brás, Delermando Vieira, Fausto Valle, Dionísio Machado,
Celso Cláudio, José Maria, Ronaldo Cagiano, José Augusto
de Carvalho, José Humberto Henriques, Edival Lourenço, Marçal
Aquino, Luiz Ruffato, Luiz de Aquino, além de uma série de nomes
que não caberiam neste espaço.
Se não houver um resgate literário, sofreremos do injusto processo
de sucateamento, relegando a memória cultural ao final da maré:
a cachoeira em queda livre sem direito à rapel. Quando os livros não
são encontrados nem nos sebos, ou, numa hipótese desconcertante,
vemos os bons livros escondidos, nas sombras ocultas das prateleiras de baixo,
no fundo da livraria, longe dos holofotes e das vitrines, há uma resposta:
a maré segue o fluxo negligente da ignorância, rumo ao esquecimento
da cachoeira supérflua. Ligue a TV para acompanhar as cenas de traição,
vadiagem & Cia das novelas. Escute os sucessos do rádio, ligue toda
a eletricidade da casa até tomar um choque pelos botões do controle
remoto. PLIP, PLIP, PLIM PLIM, TZZZ.