Nos últimos anos tenho acompanhado razoavelmente o debate acerca da
importância da poesia, enquanto gênero literário. Em 2005,
recebi uma provocação do Festival Recifense de Literatura. Fui
intimado pelo poeta Pedro Américo, para falar sobre poesia
e mercado. Na época, um período bastante atribulado da minha vida
profissional, somente pude dar atenção ao assunto uns cinco dias
antes da palestra. Fiquei um tanto atônito porque não existiam
referências, praticamente. Encontrei apenas um texto de Geir Campos, de
décadas e décadas passadas. Pois não é que em Carta
aos Livreiros, o poeta relatava exatamente o mesmo drama vivido pelos
poetas do século XXI, em relação mercado editorial? Acabei
escrevendo um texto para orientar a minha palestra, que acabei publicando na
revista Discutindo Literatura e em alguns sites.
Existe aí uma questão que tem me instigado bastante. Apesar de
ser um gênero considerado não comercial, os fatos nos mostram que
a poesia é um dos gêneros mais lidos. Do ponto de vista do mercado
editorial, os poetas desafiam os best Sellers através do tempo. Por exemplo,
ninguém lembra quem eram os Best Sellers da época em que Baudelaire
circulava pelas ruas de Paris. No entanto, o poeta francês continua vendendo
nas livrarias do mundo inteiro. A coleção Melhores Poemas,
da Global Editora, apresenta índices invejáveis de vendas. Somente
o poeta Mário Quintana vendeu bem mais de 100 mil exemplares. Na margem
do mercado, os cordelistas da Paraíba, num dos últimos festejos
juninos da capital, chegaram a vender 800 exemplares em único final de
semana.
A recente pesquisa, já citada por mim no blog Pele Sem Pele algumas
vezes, Retratos da leitura no Brasil, editada pelo Instituto Pró-Livro,
em parceria com a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, traz dados
atualíssimos (de 2007) e impressionantes. A pesquisa foi coordenada por
Galeno Amorim, ex-secretário de cultura de Ribeirão Preto-SP e
editada também sob sua orientação, com textos de dez especialistas.
Entre eles, nomes de conhecidos como Moacir Sclyar. Esta pesquisa aponta a poesia
entre os cinco gêneros preferidos dos leitores. Considerando-se entre
esses gêneros o romance, os livros didáticos, os livros religiosos
e a literatura infantil. Também segundo a pesquisa, seis poetas aparecem
entre os 25 autores brasileiros mais lidos no país. Vinícius de
Morais é o quinto autor na preferência dos brasileiros, somente
para se ter uma idéia de uma lista que traz nomes como Monteiro Lobato
(o primeiro de todos), Machado de Assis, Ariano Suassuna, Paulo Coelho, Bispo
Edir Macedo, Clarice Lispector, etc. Não contabilizo aí o paraibano
Ariano Suassuna como poeta, apesar de escrever poemas e ter na sua obra, segundo
ele próprio, uma forte vertente poética.
Em recente entrevista ao programa Letra Lúdica, da TV UFPB, falei sobre
o livro Retratos da Pesquisa. No entanto, notei que o editor do programa o poeta
paraibano José Antônio Assunção, forçava a
barra para que eu falasse mais e mais dos números impactantes da poesia
na pesquisa. Então, desenvolvemos muito mais uma boa prosa sobre o tema
que sobre os desvendamentos da pesquisa enquanto diagnóstico da leitura
no país. Observamos, por exemplo, que o jovem é o grande leitor
brasileiro. De um modo geral, observa-se também que há uma empatia
da juventude para com a poesia. Basta ver o imenso sucesso editorial do Livro
da Tribo entre os jovens brasileiros, publicado anualmente pela Editora da Tribo(SP).
Poetas como Paulo Leminski, Alice Ruiz e até mesmo Augusto dos Anjos,
aparecem nitidamente na preferência da juventude.
Onde quero chegar?
Se algo podemos comemorar nos últimos anos é exatamente a multiplicação
de certa militância favorável às políticas
de leitura. Militância esta que tem sido encontrada tanto no setor público,
quanto em iniciativas particulares. Podemos citar entre estas, a de um catador
de papel em São Paulo que montou uma biblioteca com mais de 16 mil títulos,
num prédio abandonado. Detalhe: os livros foram todos apanhados em lixos
residenciais. O projeto Dulcinéia Catadora, também em São
Paulo, trabalha oficinas de artes plásticas, leitura e edição,
a partir da poesia, principalmente. São inúmeros os exemplos brasileiros
que nos levam a acreditar que a poesia é um dos principais vetores para
uma política nacional de incentivo à leitura. Uma ação
transformadora que não deveria se limitar ao repasse de verbas, mas fundamentalmente,
às possibilidades de articulação intersetorial e transversal,
principalmente das áreas de educação e cultura.
Isso significa, logicamente, uma ousada transgressão ao que existe hoje
em termos de política educacional. Roland Barthes já dizia que
a Literatura contém muitos saberes. No entanto, segundo Afrânio
Coutinho no Livro Notas de Teoria Literária, o ensino da Literatura
deve emancipar-se da história e da filologia, campos verdadeiramente
distintos (...). Ele diz também que, a Literatura vem sendo
ensinada por professores, na maioria de português, de mentalidade predominantemente
filológica, a Literatura é tornada um subsídio da língua,
confundindo-se análise gramatical com análise literária,
análise sintática com análise estilística.
O que estamos propondo é uma inversão nessa lógica para
que a Literatura desfrute de um espaço próprio, trabalhando muito
mais intensamente o que realmente nos interessa: o prazer da leitura. O caráter
estruturante das políticas de leitura, seguramente, elevará os
níveis de ensino. Afinal, um bom leitor dificilmente será um mau
aluno.
Logicamente que temos aqui uma série de vontades íntimas. A maior
delas é nos transformarmos em um continente de leitores. Não tenho
a menor dúvida que a poesia cumpre, nesse aspecto, um papel introdutório
de toda uma política pública para o Livro e a leitura. A boa poesia
seduz o leitor para qualquer gênero literário. É muito mais
fácil, por exemplo, um leitor de poesia entender obras como Lavoura Arcaica,
de Raduan Nassar, ou mesmo Ponto de Mutação, do Fritjot Capra.
Pelo imenso grau de popularização da poesia, não estaríamos
inventando a roda, mas fazendo-a andar mais rápido, como se diz por aí.
Aliás, não podemos esquecer que a roda já está andando.
Por exemplo, devemos reconhecer que há uma geração de professores
nos cursos de Letras do país inteiro, trabalhando a literatura contemporânea
em sala de aula (não apenas poesia). Ainda que predomine o conservadorismo
acadêmico. Recentemente ouvi de um amigo que um professor iria fazer sua
tese de doutorado sobre a sua poesia e foi desaconselhado por ser o meu amigo,
um poeta desconhecido. Portanto, há muito que se avançar ainda
em termos de mudança de hábito. Mas, as cartas estão
na mesa e, não se enganem os incautos, o jogo já começou.
(sábado, 26 de setembro de 2009)