Ano passado participei como convidado do Encontro de Interrogações
do Itaú Cultural, em Sampa. Um evento que busca, sobretudo, o mapeamento
da boa literatura contemporânea brasileira. Grandes momentos. Grandes
debates. Nomes de ponta da produção literária brasileira
estiveram por lá. Muitos dos quais já com alguma intimidade com
a engrenagem mercadológica do livro, pelo menos em termos de distribuição.
Inicialmente fiquei um tanto quanto injuriado ao ouvir a Professora Heloísa
Buarque de Holanda dizer que os poetas nordestinos não entravam nas suas
antologias porque seus livros não chegavam ao sudeste. No entanto tomei
o fato como uma provocação acerca do isolamento vivido pelos escritores
nordestinos e que, diga-se de passagem, não difere muito dos escritores
de outras regiões periféricas ou mesmo das periferias das regiões
centrais de um país, injustificadamente, ainda debruçado sobre
as grandes chaminés de um grande pólo industrial e seu modelo
selvagem de desenvolvimento.
Independentemente das nossas interpretações acerca do critério
de avaliação para o que possa vir a ser uma antologia representativa
da produção poética nacional, fica uma pergunta no ar.
Como é que a região que produziu grandes nomes da história
do livro e da literatura no Brasil, como Graciliano Ramos, Augusto dos Anjos,
José Lins do Rego, João Ubaldo Ribeiro, Jorge Amado, Ariano Suassuna,
João Cabral de Melo Neto, Carlos Pena Filho, Manuel Bandeira, Castro
Alves, Gregório de Matos Guerra, Castro Alves, (só para citar
alguns) não possui uma única editora com distribuição
nacional? Eis uma questão que me instiga profundamente ao passear, pisando
em óvulos, pelo argumento da Professora Heloísa, logicamente exposto
num contexto absolutamente específico e que, portanto, tendo se cumprido
como resposta, renasce a partir do que provoca.
Ora, lembrando Bráulio Tavares, figura de proa da boa literatura e da
boa música brasileira, autor de Nordeste Independente cantado por Elba
Ramalho em tom de hino, me pego pensando porque uma região mais populosa
que muitos países do mundo, contando com mais de quarenta e seis milhões
de habitantes, não figura como pólo editorial concorrente com
a concentração de boas editoras especialmente no eixo Rio e São
Paulo, mas também no Rio Grande do Sul, cuja distribuição
nacional das suas produções aproximou leitores de grandes escritores?
Ora, se o debate entra no ramo dos negócios, podemos concluir que o empresariado
nordestino do ramo gráfico competitivo, no mínimo está
marcando touca.
Por que mesmo a boa produção contemporânea do Nordeste ainda
precisa ser catapultada por editoras como a Objetiva, por exemplo, com a bela
coleção Fora do Eixo? Aliás, uma aposta inteligente que
nos leva a refletir acerca da capacidade investigativa de parte do mercado editorial
brasileiro acerca da produção literária de uma das regiões,
historicamente, mais férteis da América Latina. Ou seja: há
vida e esperança.
Não cabe aqui nenhum lamento nordestino. Até porque moro na Paraíba
há mais de vinte anos, mas continuo o mesmo gaúcho nascido em
Jaguarão com raízes familiares profundas nos pampas. Não
se trata disso. Trata-se de um questionamento que levanto ao ver as grandes
livrarias das metrópoles nordestinas, abarrotadas de gente comprando
livros de autores nordestinos, produzidos longe daqui. É incompreensível,
principalmente, porque existe um parque gráfico no Nordeste capaz de
uma produção competitiva. Um parque gráfico que no âmbito
da produção cultural, no mais das vezes, se limita a atender as
demandas das leis de incentivo principalmente no que se refere aos artistas
plásticos e seus catálogos.
Não se trata de uma justificativa do pouco caso que os/as antologistas
fazem da produção nordestina contemporânea. Afinal, se o
objetivo fosse mesmo realizar uma antologia representativa da produção
brasileira contemporânea, a grande mídia virtual e seus instrumentos
de busca ajudariam de forma significativa na descoberta de excelentes escritores,
em todos os estilos, também, em estados distantes como o Acre, Rondônia...
regiões ainda mais abolidas da mídia que o sempre efervescente
Nordeste.
Não são poucos os escritores nordestinos que incendeiam a cena
contemporânea e furam o bloqueio do restrito mercado editorial brasileiro.
Muitos bancam a própria guerrilha. A verdade é que se paga a peso
de ouro, muitas vezes, para ter um livro disponível nas grandes redes
de livrarias do país. Um péssimo negócio para o autor e
para o leitor. E, diga-se de passagem, o ouro para os oportunistas do mercado.
Uma anormalidade escandalosa que, infelizmente, se banaliza cada vez mais como
"solução" diante do esquecimento deste importante nicho
do mercado do livro. Mas, até mesmo neste modelo - desaconselhável,
no meu entendimento - é possível identificar uma literatura com
alto risco de sustentabilidade econômica. Principalmente porque o mercado
nordestino do livro é uma realidade em expansão, explorada cada
vez mais pelas grandes redes de livrarias e acumulando eventos importantes como
o Fliporto, Festival Recifense de Literatura, Encontro Natalense de Escritores
e outros ainda embrionários, como o Agosto das Letras, em João
Pessoa.
Ainda assim se observa que, com raríssimas exceções, da
mesma forma, não há um olhar mais apurado dos editores sulinos
sobre a produção contemporânea nordestina. O que, aliás,
não espanta. Sempre foi assim. Nossos grandes nomes somente despontaram
quando criaram laços ou até mesmo mudaram de mala e cuia para
o sul maravilha. O que espanta mesmo é a inexistência de investimentos
para a transformação do Nordeste num pólo de desenvolvimento
do mercado editorial brasileiro. Algo que, certamente, faria com que as grandes
editoras do sul/sudeste, no mínimo, buscassem parceirizar com os parques
gráficos nordestinos na busca de um mercado cheio de possibilidades,
mas que vem sendo explorado de forma tímida.
O estigma de um Nordeste miserável não abala mais investidores
de outros setores da economia. Há um babado fortíssimo no mercado
econômico brasileiro apontando a economia emergente da região como
a "bola da vez". Nem mesmo o litoral paradisíaco existente
entre a Bahia e o Maranhão esconde mais a força de uma cultura
cheia de identidade e vigor que construiu uma tradição e tem uma
contribuição significativa para a introdução do
Brasil no mapa literário da lusofonia.