A Garganta da Serpente
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Eles massacram o idioma

(Jacira Fagundes)

Eles estão na Internet, teclando, usando das táticas as mais avançadas de conquista. Eles se acham muito legais, sabem como fazer uma boa cantada, é só abrir os seus MSNs e conferir: está tudo lá. Papo pras cabeças, loucuras, conversas on-line rolando soltas, linguagem altamente produtiva. Eu falei produtiva? Só se for o caso de produção de imbecilidade em alta rotação. Acabo de tomar conhecimento de algumas pérolas nos Orkuts da vida. Como esta que segue:

"Eai gatinho? Oiiii Come que ta? O que conta de novo? To meio na deprê. Tô tri carente. É, posso ti ajudar? Tu não te pilha de a gente faze alguma coisa em off pra conversa? Que horas que tu pode?"

O diálogo segue em frente, mas me falta estômago para continuar a leitura e passo a outra:

"E aí tudo bem? Tudo. Qq fez no findi? Nada demais. E aí, planos p próximo findi? Só domingo tô liberado".

Quero chamar a mãe dele, o pai, um responsável qualquer, alguém com competência para impedir que este jovem saia por aí, no domingo liberado, a disseminar esta praga de linguagem antipatriótica. Porque é preciso muito desrespeito à nação que nos serviu de berço, para ridicularizar o idioma pátrio a nível tão baixo, quase obsceno. Vou sugerir a este responsável que, no uso de sua autoridade, exija de seu garoto, uma ou duas excelentes composições escolares, com abaixo assinado da professora de português, a cada investida dele no Orkut ou no MSN. Será como tratamento de indulgência a um obeso: uma taça de sorvete com cobertura de doce de ovos e calda de chocolate a cada quatro semanas de rígida dieta alimentar. Quero ver se ele não aprende a falar e escrever.

Nos BBBs a coisa não é diferente. Lá estão eles de novo. Os brothers miando no mesmo compasso: tô ligado; ninguém merece; normallll; tá pegando; oiiiii Bialllll! E este mesmo, o Bial, que deixou de ser jovem faz tempo, soando no mesmo ritmo e tom da galera: oooooiiiiiiiii! Ridículo! Pobre idioma, que massacre!

Passo a questão. Eles são assim mesmo, com este miolo mole, ou saem de maria-vai-com-as-outras, para fazer bonito na turma? Afinal, pertencem a que tribo estes meninos e meninas bonitos e sarados?

Outro dia, assistindo a uma palestra num fórum de literatura, a palestrante se referia às belas cartas escritas por Monteiro Lobato a seus leitores. Cartas são quase peças de museu hoje em dia. Há ainda quem as escreva, mas são poucos. Para substituí-las, existe o outlook que nos facilita a comunicação quase que instantânea, sem envelopes, ou selos, ou idas ao correio. A um simples clique, a tela do computador oferece o formato da mensagem, digita-se o texto e - milagre da tecnologia -, um novo clique e a mensagem está na frente do destinatário.

Aí é que mora o perigo. E-mails não devem ser extensos e escritos com o mesmo cuidado que mereciam as cartas de outrora, mas nem por isso, devem se isentar de correção ortográfica. Entende-se que o remetente que os redigiu tinha pressa, que nem todo mundo é obrigado a manejar com destreza o teclado do computador. Mas, por favor, revisa-se um texto curto em questão de segundos, e quem não tem a devida destreza, vá exercitar. Erros de grafia, falta ou troca de letras na digitação e abreviações de última hora, tornam qualquer texto inviável, nojento e desrespeitoso para com o destinatário. Vá massacrar o idioma em outro planeta.

E há também aquela turminha que cria mensagens no Power Point e se acha muito esperta. Nada contra as imagens que tomam a tela de assalto, a maioria de ótimo gosto. Aliás, seria melhor que as imagens não se fizessem acompanhar por textos. Ou estes não dizem nada, ou dizem o que duzentos deles disseram antes, ou pior: conjugam mal os verbos, cometem erros ridículos e não distinguem um tu de um você, nem um singular de um plural. Há gente boa por aí, criando mensagens de excelente qualidade, trabalhando com esmero. Deixem espaço para estes, que estes, sim, merecem mostrar a cara para o mundo. Os demais, que enviem para os amiguinhos, e peça-lhes, pelo amor de Deus, que estes não passem adiante para caixa postal alguma.

Quando tenho algum tempo sobrando, abro uma destas mensagens horrorosas e, com a devida paciência, vou até o final, engolindo em seco toda a bobagem escrita. Aí aparece na tela aquela intimação para que passe a dita mensagem a tantas outras pessoas sob pena de eu passar por insensível, ou mostrar inaptidão com as pessoas que me querem bem, ou não ser abençoada pela Virgem. Antes que eu passe a enviar todas as pragas ao remetente, volto para a caixa de entrada e deleto o e-mail.

Santo idioma! Não merecias tamanho desapreço.

  • Publicado em: 09/05/2007
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