A frase acima é o título de um capítulo e faz parte de
uma tarja amarela que envolve o livro "A Norma Oculta - Língua &
Poder na Sociedade Brasileira", de Marcos Bagno, Parábola Editorial,
já nas livrarias, como provocação para que o leitor adentre
as suas páginas.
As pessoas desejam que não exista preconceito lingüístico,
mas não é isso que se encontra na realidade. Marcos Bagno, lingüista
e professor da USP, vem derrubando a muralha da gramática tradicional.
Ele escreve sobre um assunto tão difícil de uma forma bem acessível.
Nesse novo livro, Bagno aprofunda o estudo das relações entre
língua e poder no Brasil e avança para a afirmação
de que o preconceito lingüístico na sociedade brasileira é,
na verdade, um profundo e entranhado preconceito social.
Bagno lança um olhar inquiridor sobre a história da constituição
das línguas para desvendar a realidade sociolingüística.
Seu recurso à história se funde com a pesquisa sociolingüística
e a crítica corajosa do rótulo de "erro", sempre aplicado
com rigor, mas segundo critérios bem relativos, por aqueles que se consideram
sacerdotes da classe letrada, incumbida de defender a pureza estática
da língua.
Exemplo disso são as reações de expoentes da imprensa
nacional ao modo de se expressar do primeiro operário nordestino eleito
para a presidência da República. É ilustrativo enxergar,
seguindo a análise do autor, o peso do preconceito social travestido
de aniquilamento da língua do outro, quando não se enxerga este
outro como interlocutor válido.
A norma oculta desvenda o jogo ideológico por trás da defesa
de um conjunto padronizado de regras lingüísticas, retira o disfarce
lingüístico de uma discriminação que é, de
fato, social, ao demonstrar que a própria negação da existência
do preconceito lingüístico é a prova mais do que eloqüente
de que as coisas não podem seguir como estão.
Para entender a língua se faz necessário assumir a concretude
histórica, cultural, a condição de atividade social da
língua, sempre sujeita às circunstâncias, às instabilidades,
às flutuações de sentido, à própria opacidade
da experiência humana.
Trata-se, mais uma vez, de expor e de reafirmar as bases do imperativo de
incorporar à educação em língua materna uma concepção
dinâmica que leve usuários a abandonar a inútil busca de
estabilidade e de homogeneidade, típicas do modo tradicional e redutor
de encarar as relações dos seres humanos entre si e consigo mesmo
por meio da linguagem.
A história das línguas e das sociedades revela que, para haver
alguma mudança nos conceitos de língua "certa" e língua
"errada", é preciso que também haja, ao mesmo tempo,
uma grande e radical transformação das relações
sociais.
No campo lingüístico, transformação significativa
será o estabelecimento de uma possível gramática do português
brasileiro, a ser preparada pelos pesquisadores que há bem mais de trinta
anos estão engajados na investigação criteriosa da realidade
lingüística (texto da orelha do livro com algumas adaptações).