Quem não conhece a vida rural ou a vaca, fala que o leite vem da padaria
ou do supermercado. Assim acontece com a literatura. Alguém poderá
responder que literatura é aquilo que se estuda na escola, que ela esteja
restrito ao mundo escolar.
Há outra deturpação. A pessoa resolve escrever para ficar
famosa, e acha que a literatura é o caminho. Na verdade, a pessoa escreve
(ou pinta, ou esculpe, ou...) porque sente necessidade de extravasar, quer se
doar ao outro.
A literatura, antes de ser estudo, foi vida, criação de uma pessoa,
é a simulação da vida. Toda pessoa devia ter uma arte preferida
para se expressar ou fruir, como se fosse um hobby, porque nela expressa a sua
alma.
Algumas pessoas escolhem a música, outras a pintura, o cinema. E há
quem goste de escrever, fazer contos ou poema, novelas ou romances, sem objetivo
prático, apenas para ter prazer, com toda gratuidade possível
num sistema de mercado. Esses fazem literatura.
Que ela seja objeto de estudo nas universidades e nas escolas é uma conseqüência
inevitável, mas não deve ser o objetivo primeiro de quem a faz.
Completa-se aqui com a definição com Afrânio Coutinho:
"A Literatura, como toda arte, é uma transfiguração
do real, é a realidade recriada através do espírito do
artista e retransmitida através da língua para as formas, que
são os gêneros, e com os quais ela toma corpo e nova realidade.
Passa, então, a viver outra vida, autônoma, independente do autor
e da experiência de realidade de onde proveio. Os fatos que lhe deram
às vezes origem perderam a realidade primitiva e adquiriram outra, graças
à imaginação do artista. São agora fatos de outra
natureza, diferentes dos fatos naturais objetivados pela ciência ou pela
história ou pelo social.
O artista literário cria ou recria um mundo de verdades que não
são mensuráveis pelos mesmos padrões das verdades factuais.
Os fatos que manipula não têm comparação com os da
realidade concreta. São as verdades humanas, gerais, que traduzem antes
um sentimento de experiência, uma compreensão e um julgamento das
coisas humanas, um sentido da vida, e que fornecem um retrato vivo e insinuante
da vida, o qual sugere antes que esgota o quadro.
A Literatura é, assim, a vida, parte da vida, não se admitindo
possa haver conflito entre uma e outra. Através das obras literárias,
tomamos contato com a vida, nas suas verdades eternas, comuns a todos os homens
e lugares, porque são as verdades da mesma condição humana."