Todos sabemos bem que hoje em dia, no mundo da "expressão poético-literária",
o modelo formal do texto - ou expressão comunicativa - encontra-se sobejamente
subalternizado. Qualquer escritor/poeta que se preze e, nomeadamente, aquele
que conquistou lugar ao sol no "mundo do mercado literário"
não tem a mínima preocupação pela forma poética.
Toda e qualquer expressão escrita comum, mesmo a mais bizarra, é
utilizada para veicular "sentimentos tidos como poéticos".
A tal ponto chegou esta secundarização que, para espanto de todos
ou até não, chega-se a desprezar o cuidado semântico, metafórico
e, mesmo, gramatical !
É uma postura com intenção reconhecidamente pos-modernista
que, quanto a nós, se assume libertária, para não dizer
anárquica. Sinteticamente, na mais generalizada expressão literária,
apenas uma preocupação impera: importa "dar nas vistas",
"impressionar", "espantar". Eis a poesia que, bem vistas
as coisas, constitui no nosso tempo um fenómeno proporcional às
correntes artísticas dominantes, em que um "expressionismo piroso"
marca a sua maior influência. Poder-se-á afirmar mesmo, no dizer
de um pensador contemporâneo, "vivemos a grande maré da cultura
inculta". Ou seja, para se chegar culturalmente - neste caso artisticamente
- à maior quantidade possível de "consumidores" torna-se
fundamental que todo o escritor/poeta se vista da roupagem o mais generalizada
possível (eu direi vulgarizada) para que a sua mensagem se torne abrangente
a todas as classes de potenciais leitores/admiradores...
Sendo assim poderemos dizer que, no tocante à forma poética estamos
conversados: à priori toda a expressão escrita é válida
em si mesma desde que sirva de atracção e seja apelativa. Logo
toda a arte poética aposta - no lugar da essência e da forma -
na emocionalidade, no sentimento figurativo, no instinto e na ficção
do movimento, do som e da luz. Isto é, em última instância,
há que apostar no apriorismo da " palavra ". Da palavra singular.
Esta, por si mesma - tentando justificar e dominar o espaço e o tempo
- impõe-se a todos os fenómenos. Quer dizer: a palavra conquistou
o primado da expressão artística poética. Dito doutra forma:
a palavra venceu o verso e o poema e, daqui, substituiu a poesia.
O que acabámos de expor é apenas, e só, a forma como visualizamos
o momento da Poesia actual que, quer queiramos quer não, prolifera em
todas as línguas e culturas como resultante da transformação
universal dos meios de comunicação de massas. Aquilo a que chamamos
de "globalização" invadiu sem limites a arte poética
tornando-a mais popular, sim, mas também mais libertária e volátil.
O que há a fazer ? Qual deverá ser a resposta de todo aquele que
se considera justamente como poeta ? Deverá deixar-se arrastar pela "corrente
global" sem critério formal considerado ou terá de se qualificar
cada vez mais, privilegiando a sua própria expressão poética
e literária ? Deverá jogar, por mero instinto, no "Maria
vai com as outras" ou apostar fortemente na sua própria identidade?
É este o grande desafio, na nossa opinião, que o poeta tem de
cumprir e arriscar. Será uma atitude de resistência que, mesmo
não tendo à partida efeitos imediatos, pelo seu próprio
fundamento e convicção conquistará, a todo o momento, o
seu inquestionável mérito.