A verdadeira tarefa do escritor não é a de ser conhecido, viver
do sucesso ou ser "best seller" mas a de encontrar (aos poucos) almas
gêmeas capazes da sintonia. Não é necessário o êxito.
Este, é manifestação epidérmica da contemporaneidade.
É preciso, sim, ir fundo em si mesmo, encontrando meios e modos de grafar
as verdades e observações próprias. Elas operarão
o lento e gradual milagre da funda empatia. Com poucos ou muitos, é outra
questão.
Por isso é importante, jamais frear o impulso criador, pouco importa
o seu destino. O escritor precisa lutar com as forças que tiver para
ludibriar os sistemas e as exigências da sobrevivência, da convivência
e encontrar tempo -ainda que escasso e roubado até de felicidades- para
o exercício de seu trabalho, não importa se horas ou minutos,
em que tipo de papel, máquina ou computador...
Imperdoável em quem, dotado do dom da palavra, será deixar escapar
vivências, idéias, temas, e não fixar a percepção
luminosa, nos raros momentos em que esta ocorre. As inspirações
raramente retornam da mesma maneira. Muitas vezes desaparecem no fluxo incessante
e maravilhoso da mente. Cada percepção luminosa pertence a um
envolvimento peculiar e a momentos mentais que não se repetem. Podem,
até, retornar sob outras formas, adiante. Podem, ademais, constituir
obsessões do repertório de vivências internas de cada um.
Porém nunca retornam da mesma maneira. Para um escritor, é imperdoável
desperdício, o deixar passá-las. O inconsciente recolhe, ávido,
o que deixou emergir e não foi devidamente aproveitado.
Ao lado das inspirações, há, porém, a necessidade
de tempo para o trabalho braçal de desenvolver as idéias e aprimorar
o texto. Aqui, é necessário labuta e persistência. Não
importa, igualmente, se o escritor tenha ou não condições
para fazê-lo dentro do tempo e do ritmo impostos pelos sistemas. Importa
labutar, mergulhar no texto, podá-lo até o martírio. Escrever
é ler. Ler o que se fez não como autor encantado e sim como leitor
se possível indiferente ou como crítico.
Mesmo que a obra demore anos a ser construída com a paciência necessária
a dar forma ao bronze. E mesmo que não repercuta, o dever maior é
realizá-la. O destino dos livros não depende do seu marketing:
é misterioso. A meu ver, aliás, a verdadeira vida de um livro
começa nos sebos. É quando ele é procurado por sincero
interesse e não pela hipnose do sucesso mundano ou mercadológico.
Escrever é permanecer horas, dias e anos (enquanto os demais vivem, fazem,
agem, aproveitam) na esperança do encontro, hoje, amanhã ou depois
de morto, com algumas poucas ou muitas almas irmãs com quem sintonizar;
o que impossível foi com a maioria das pessoas, até mesmo com
quem se conviveu.
Escrever é, também, forma de meditar, não apenas no sentido
de exercitar o pensamento, mas no de fazer o que os orientais chamam de meditação,
vale dizer, a não interrupção do fluxo da mente para penetrar
no próprio imo. Quem deseja escrever não deve pensar no sucesso
e sim nas almas com quem se identificará, muitas ou poucas, não
importa.
A mente cria tanto mais, quanto mais livre esteja do pensamento dirigido, utilitário
ou do esforço lógico-racional. Por isso é mais criativa
no ócio (ou no cio). Não na preguiça porém no ócio
criativo, o que advém de um esforço desinteressado, de um fluir
boêmio de pensamentos ou idéias, lavra de ganga bruta dentro da
qual pode estar o ouro da descoberta original.
O pensar dirigido, tenso, comprometido com o brilho, o êxito ou a erudição,
é magnífico para teses de mestrado e obras técnicas, jamais
para a atividade literária. Nesta, o fluir deve ser desinteressado, distraído,
livre: o esforço da forma (posterior), estes, sim, precisa redobrar a
atenção, o cuidado, o conhecimento, a paciência e a capacidade
de trabalho. Aqui, o texto deve ser enxagüado à exaustão.
Escrever é, portanto, um prazenteiro martírio. Prazer porque criar
é fonte de prazer. Prazer porque dar forma ao que punge a si ou aos demais
é benefício público, porque dar clareza ao que se agita
obscuro no limbo do entendimento é matéria de salvação.
Martírio porque é estar sempre aquém e ver sempre além.
Finalmente: escrever bem não é repetir o que já foi escrito:
é servir-se do que já foi dito para dizer pela primeira vez. É
surpreender o lugar comum como a um inimigo e libertar a verdade que lá
jazia, prisioneira da repetição. É ser novo e inaugural
no que é velho e comum ao ser.
Que tal comprar um livro de Artur da Távola? O Jugo das Palavras |