A palavra é a melhor e mais imprecisa forma de representar o real. Nada
é tão único, direto e simples quanto à palavra e
nada tão difícil. O homem vive a dificuldade de aprisionar a palavra,
para, só assim, descobrir o termo preciso. Essa luta só acaba
quando, no esforço de aprisionar a palavra, ela o aprisiona. Esse jogo
(luta?tarefa?alegria?), o de aprisionar a palavra e ser aprisionado fascina
de tal modo que quem o empreende faz-se aprisionado. Este é o jogo do
escritor; este é o jogo do poeta. Aprisionar a palavra que escapa, dela
desejando ser vítima, amante senhor e escravo.
Poetas e políticos possuem essa afinidade: a de trabalhar palavra, a
de viver da palavra, a de viver da palavra e se sentindo de cimento ou de pântano.
Eles se tornam cúmplices da palavra no processo através do qual
ela impera sobre eles, ao mesmo tempo em que precisa ser vencida por ambos.
Pois é desse esforço bendito e maldito (porque sempre incompleto
e insatisfatório) que nasce o poeta.
A poesia, não para - contudo - na palavra. Ela é também
- e sobretudo - a busca do sentido das coisas. E o que é o sentido das
coisas? Este, aparece rapidamente em nossa mente e logo foge, escapa, nem sempre
se torna claro para o homem. Este, porém, prefere chamar esse clarão
fugido de verdade. Por isso é necessário haver uma Casa onde "as
verdades" se contradigam...
Eu perguntaria a vocês: é fácil saber o que é a vida?
A morte? É claro saber o que é a liberdade? O que é a política?
Não! Nós temos impressões, percepções, e
há sempre algo a fugir no sentido das coisas. Aí está o
poeta. O poeta é esse ser à margem dos homens, um tanto subversivo
em relação aos comportamentos dos homens, que busca pilhar a lucidez
fugida. Enquanto os homens vivem atados às suas paixões, o poeta
(que também tem as dele), guarda dentro de si um outro lado em permanente
vigilância, em alerta de sensibilidade. Ele não tenta entender
o sentido das coisas apenas; ele tenta - se me permitem a palavra - sentir o
sentido das coisas. E nesse momento o sentido das coisas não é
apenas algo fluido em sua inteligência mas uma vivência ou intuição
presente sobretudo no órgão do sentimento.
Muitos de vocês sabem que um dos sinônimos da palavra poeta é
vate. Essa palavra não é usada atualmente. Quem é o vate?
O vate é o que vaticina. E vaticinar - é adivinhar, é antever,
é ver adiante.
Poeta também quer dizer profeta, o que vê além.
E do que trata o poeta? Trata do verso.
O poeta vê o verso, vê o outro lado. Por isso, ele é perigoso.
Por isso, ele é grandioso. Por isso, ele ameaça. A história
dos homens conta inúmeros casos de poeta assassinados, degredados, exilados,
perseguidos, porque eles dominam esse mistério, essa deusa: a palavra.
Dominam, não nos esqueçamos, porque são dominados por ela.
E ao dominá-la e serem, por ela dominados, conseguem ver mais e melhor,
ver além, por dentro e no verso.
Assim, mataram poetas nas revoluções, baniram poetas nas crises
políticas. O poeta é perigoso, porque está sozinho, longe
dos apetites do mundo, a trabalhar com a sensibilidade, tarefa subversiva porque
oposta ao mundo de hoje, o da predominância do consumo, da máquina,
do fazer, no qual a única ética é o êxito. No mundo
das promoções, dos passos artificiais, da ditadura infernal da
economia sobre os homens (materializando as relações entre eles),
nesse mundo, o poeta é o mais perigoso dos seres. Ele não se entrega
às "verdades" das aparências; ele prefere ficar com o
verso. Prefere ficar, como dizia Cruz e Souza: "que entre raios, pedradas
e metralhas, ficou gemendo mas ficou sonhando".
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