A um jovem escritor que pede minha opinião sobre seu texto numa peça
teatral, dei (e dou a vocês) a seguinte opinião: não se
preocupar demais com a opinião alheia. Quem vive de escrever ainda não
é um escritor. Mas quem não pode viver sem escrever, este sim
é um escritor. Examine-se dentro desse critério e lembre-se de
que a angústia sobre os próprios textos é a matéria
prima do escritor. Escrever é uma prisão que liberta e um sofrimento
que alivia.
Há pessoas que escrevem sem se preocupar com o texto. São as mais
felizes. E há verdadeiros torturados. Tocam e retocam dezenas de vezes.
E há os que chegam a escrever tudo de novo, várias vezes, como
aconselhava Flaubert.
Li certa vez uma deliciosa confissão de Oscar Wilde. Diz com perfeição
o que se passa de angústia na cabeça de um escritor e como são
erráticas e fugidias as palavras às quais o poeta Thiago de Mello
chamou com perfeição de "o pântano enganoso das bocas
". Mas disse o Oscar Wilde, num desabafo:
"Passei a manhã debruçado sobre um poema. Tirei-lhe uma vírgula.
Que à tarde, aflito, repus"....
Trata-se da tortura da forma e a busca da precisão para o que se quer
dizer, o que quase nunca é obtido. Isso se dá porque a gente pensa
como fala e não como escreve. Transferir o pensamento de como se fala
para a escrita, eis o segredo, a tarefa, a dificuldade. O texto escrito tem
dinâmica própria. E original.
Lembro-me que quando trabalhei perto do saudoso e amigo João Saldanha,
o miserável chegava na redação, colocava o papel na máquina,
disparava que nem uma metralhadora, puxava o papel, mal e mal conferia, e entregava
a matéria. Bandido! E o texto saia forte e bom. Já eu, jamais
consegui o mesmo. O texto me tortura. Quantas vezes o ler, tantas vezes vou
mudá-lo. A gente descobre lentamente as imperfeições, expressões
que não são sonoras, frases com palavras demais. Até hoje
sou assim e olhem que escrevo regularmente em jornal desde 1959 embora em 1957
e 1958 já escrevesse para a Rádio MEC, textos sobre música
e me recordo que nesse tempo não batia à máquina o que
enlouquecia as datilógrafas da rádio, tanto que eu rabiscava o
escrito, apagava, escrevia em cima, tudo cheio de setas ininteligíveis
até para mim, o autor, o que as desesperava, com razão... Agora,
no tempo do computador há a vantagem de poder mexer à vontade
sem rabiscar tudo. Ufa! São quase cinqüenta anos, uma baita experiência,
e estou longe de dominar o texto. Ele ainda e cada vez mais me faz capitular,
comanda, autoritário, exigente, imperador, diante do qual curvo-me reverente.
Por isso meu bom e jovem leitor, não se preocupe em demasia com o seu
texto: escreva, escreva, escreva, torture-se na busca da melhor forma pois é
como eu lhe disse acima. A angústia por causa da forma e o conteúdo
do que escrevemos é a matéria prima do escritor. Salve ela. Eis
uma tortura solitária da qual ninguém consegue escapar...
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