Em 1972, portanto, na pré-história dos computadores, escrevi
um ensaio intitulado "A antiga relação entre a escrita e
a ideologia" , no qual desenvolvia basicamente as seguintes idéias:
a história da escrita pode ser compreendida em três instantes:
- a criação da escrita primeira ou escrita- sujeito,
- a escrita segunda ou escrita-objeto
- e o desenvolvimento de uma escrita terceira, que ultrapassa o sistema de
letras do alfabeto.
A escrita primeira, ou escrita-sujeito, é a escrita sagrada, onde o
Criador traz diretamente seu texto aos homens através da voz de um profeta,
de um poeta ou até mesmo através do suporte de uma pedra onde
se inscreve a verdade. Seja na Biblia ou no Corão, a escrita é
a reprodução de um arquétipo celeste. Ter essa palavra
é ter a verdade. E essa verdade escrita vem do alto, é revelação
a escolhidos. É uma escrita-sujeito, porque pronunciar a palavra é
mover o mundo. A palavra é a própria coisa da qual ela fala. Por
isto, torna-se ela intocável e cercada de cuidados especiais. Não
só o livro sagrado é guardado no Templo , mas a própria
palavra -Deus é escrita a ouro ou com estilete especial ou proibida de
ser pronunciada.
A escrita segunda, ou escrita-objeto, é já uma escrita profana.A
diferença entre a escrita sujeito e a escrita objeto assemelha-se à
distância entre o pergaminho e um pocket-book , entre a edição
princeps e uma publicação em folhetim. Enquanto a escrita primeira
trazida por Moisés nas tábuas da lei verticaliza a relação
entre o indivíduo e o sobrenatural, a escrita segunda horizontaliza,
instrumentaliza e organiza humanamente a comunidade. A escrita-sujeito é
poética, a escrita objeto é prosaica.
Já a escrita terceira, dizia eu naquele ensaio -quando não sonhávamos
com a Internet - "ultrapassa o sistema de letras do alfabeto. É
o texto além do livro e da letra, uma certa escrita tecnológica
desenvolvida nos computadores e laboratórios, signos e sinais novos configuradores
de um novo saber para uma idade planetária" .
Quando fui convidado a falar neste seminário, comecei a vasculhar em
mim mesmo o que poderia hoje dizer que acrescentasse algo, às minhas
considerações sobre o tema da escrita e/ ou leitura.
A Internet potencializou fantasticamente o que chamei de escrita-terceira.
Ocorreu uma descentralização total da informação.
Já não é mais verticalizante como o era ao tempo de Assurbanipal,
quando o imperador assírio, sendo o rei divino, era seu próprio
escriba e comandava o poder religioso, militar e civil. A escrita já
não é mais horizontalizante apenas como ocorreu com a irradiação
do universo de Gutemberg, que possibilitou a disseminação do livro,
popularizando a palavra divina (e profana), até o ponto em que qualquer
pregador semi-letrado do subúrbio pudesse fundar sua seita.
Hoje o sistema em que vivemos superou o modelo da irradiação
de uma estrela. Nesse modelo autoritário e cêntrico, a luz emana
de uma fonte e deve iluminar a periferia. Agora o saber, provêm de vários
centros, de fontes múltiplas. A informação é polifônica,
polivalente, dialógica. É como se de diversas montanhas diversos
Moisés estivessem descendo com diversas tábuas da lei, contraditórias
entre si, exibindo-as às doze mil tribos perdidas e atônitas no
deserto diante de tanto maná de informações.
O que estou começando a insinuar é que nossa cultura conheceu
a passagem do regime de escassês ao regime de abundândia ou, talvez,
de excesso de informação. Outrora havia pouco que ler. Os textos
estavam em rolos e tabuinhas, ou, como em "O Nome da Rosa", de Umberto
Eco, só os privilegiados podiam manusear certos incunábulos. O
texto-sujeito era inseparável da voz do seu emissor, o profeta. Também
inseparável o era da voz do filósofo. Sócrates não
escrevia, falava. A verdade era indissociável do sujeito. Claro, Platão
cometeu o sacrilégio de exercitar a escrita-objeto, redigiu, como os
envangelistas, os textos do mestre. De lá para cá, progressivamente,
caminhamos para a proliferação de textos e significados até
chegarmos à superabundância textual e eletrônica de nossos
dias.
Moro do lado de uma favela num dos bairros mais requintados do país.
A favela Pavão/Pavãozinho começa em Ipanema e sobe a montanha
derramando-se na direção de Copacabana. Ou vice-versa. Passo pela
sua frente várias vezes ao dia. Várias vezes já vi inscritas
em seus muros ( até na lixeira que acumula tudo o que do alto do morro
vem), frases encimando uma bandeira nacional pintada no muro: "Queremos
paz", "Rio eu te amo" " Brasil, campeão do mundo".
Desse morro descem trabalhadores, traficantes, donas de casa além das
crianças uniformizadas em direção às escolas do
bairro. De crioulas e mulatas sestrosas a rapazes com tênis e jeans da
moda, ali há de tudo. Na bar da esquina, em frente, sobretudo nas sextas
e sábados reúnem-se bêbados , malandros e trabalhadores
comendo churrasquinho na calçada, falando de futebol ou narrando cenas
de agressão.Volta e meia há tiroteios. À noite as balas
são luminosas. Há bailes funks madrugada a dentro. As casas que
há 30 anos, ao tempo em que escrevi aquele ensaio, eram de madeira e
papelão, hoje o são de alvenaria e têm vários andares.
Urbanizaram um pouco a comunidade. Eles que pareciam estar ali provisoriamente,
criaram raizes de concreto armado.
Quando um favelado desce desse moro ou quando eu saio de minha casa, ocorre
um fenômeno curioso em relação à escrita e à
informação. As lojas, as ruas, as vitrinas estão cheias
de palavras que não pertencem ao português. A maioria é
em inglês mesmo. Mas, muitas não pertencem nem ao inglês
nem ao português. São siglas, nomes inventados para marcas, produtos
e lojas. Como já me referi num poema são grafitos do cotidiano.
Hieroglifos na pirâmide capitalista. Sinais na superfície de nossa
rupestre e eletrônica cultura. ( Poder-se-ia , é claro, dizer que
esse confuso fenômeno de leitura ocorre dentro das próprias casas,
já na televisão , já nas embalagens dos produtos adquiridos).
Vivemos num espaço de logomarcas, de hierogrifos escritos por um faraó,
cuja face não conhecemos. Isto nos conduz a uma questão, ao chamado
" mundo das letras", não ao ambiente literário especificamente,
mas ao contexto onde interagimos com a escrita e com a leitura. E isto recai
em outro tópico de que tratei em outras oportunidades- o fato de que
em nossa sociedade hoje, além do anfalbetismo convencional, além
do analfabetismo funcional, há o analfabetismo tecnólogico, que
faz com que estejamos reaprendendo diariamente novas linguagens.
Se ao tempo da escrita primeira- escrita divina, verticalizante, havia uma
escassez de textos e informação, se ao tempo da escrita segunda, escrita burguesa e mercantilista havia já uma expansão horizontalizante
e folhetinesca do saber, agora, ao tempo dessa escrita terceira ingressamos,
pela superabundância de informação, no bizarro universo
da anomia escrita. Anomia que caracteriza aquilo que alguns teóricos
amam chamar de pós-modernidade.
Digo " anomia" e vou ao dicionário me entender: "1.ausência
de lei ou regras; anarquia. 2. Estado da sociedade no qual os padrões
informativos de conduta e crença têm enfraquecido ou desparecido..3.
Condição semelhante em um indivíduo, comumente caracterizada
por desorientação pessoal.ansiedade e isolamento social. 4. Med.
perda da faculdade de dar nome aos objetos ou coisas ou de reconhecer e lembrar
seus nomes".
Daqui se poderia partir para muitas considerações. Por exemplo,
a questão do próprio cânone gramatical e linguístico.
É sintomático que os jornais tenham hoje seções
que ensinam e discutem os abusivos erros de linguagem cometidos pelos próprios
veículos de comunicação. Pode-se também falar do
cânone artístico ou específicamente literário como
o fez Harold Bloom, ao exigir um retorno aos clássicos em reação
à entropia gerada, nas universidades americans, pelos chamados "
estudos culturais". Também se poderia desenvolver antropologicamente
esse tópico enfocando a perda de identidade cultural de que são
vítimas os indivíduos que migram do campo para a cidade e ficam
perambulando pelos subúrbios e favelas, os quais tendo aberto mão
de um saber e de uma cultura nem sempre adquirem algo em seu lugar.
No conhecido relatório Nora & Minc, produzido quando a França,
há quase 30 anos, queria estabelecer uma política de telemática
levando em conta o futuro, que já se fazia presente, estava escrito:
"A informática, vai também subverter uma cultura individual
constituída principalmente de acumulação de conhecimentos
exatos. Doravante a discriminação residirá menos no estoque
de saberes e mais na habilidade em procurar e utilizar. Os conceitos terão
preferência sobre os fatos, as iterações sobre as recitaões" .
É profético esse texto escrito muito antes da Internet. Hoje
nossa memória não está jesuítica e decoradamente
na nossa cabeça(apenas). Está num banco de dados em cidades em
outros países. Podemos acessar "sites", manipular as informações
mais diversas, instantaneamente.
Dir-se-ia, diante do triunfalismo da eletrônica e da informática,
que alcançamos a porta do paraíso. No entanto....
...no entanto, reconsideremos. Moro ao lado de uma favela, onde o nível
de desinformação é assustador. Não apenas nessa
favela. Não apenas nas favelas. Nos outros bairros de classe média
e classe média alta, não se pode confundir a quantidade de aparelhos
eletrônicos com a quantidade ou qualidade de informação.
Aqueles que vão constantemente a Miami ou que fazem o trajeto Elizabeth
Arden( Nova York, Paris, Londres) não voltam necessariamente acrescidos
de conhecimentos, embora regressem trazendo roupas, sapatos, caixas de bebidas
e eletrodomésticos.
Minha empregada, que mora no subúrbio, tem todos os aparelhos eletrodomésticos
típicos . Há dias, comunicou-me que ela e seu marido haviam visto
uma entrevista minha na televisão a cabo, da qual é assinante,
e eu não.
Ela sabe escrever. Tem uma letra até bonita. Mas é desnorteante
a falta de informação em que vive. Ela, sua irmã, suas
amigas. E isto é um modelo reduzido de uma vasta camada da população.
Pois essa falta de informação não diz respeito apenas a
saber objetivamente quem é Clinton ou qualquer outro político
que aparece todos os dias na tevê ou a cena política de que fala
o "Jornal Nacional". A rigor, observe-se que muitas pessoas "desligam"
sua atenção no horário das notícias, voltando a
" religá-la" na novela . Ou, se uma notícia interessa
será sempre a respeito de uma tragédia nacional ou internacional
ante a qual é impossível permanecer impassível. Não
há nessas pessoas nenhum mecanismo que processe as informações.
De igual maneira não se interessam pelos programas culturais das "
tevês cultura", nem pelos programas artísticos de várias
tevês a cabo. A preferência vai sempre para os programas tipo "horror
show", espécie de " mundo cão" ou de " a vida
como ela é". É como se fossem impermeáveis a certo
tipo de informação estética mais sofisticada ou mesmo informações
científicas úteis para o dia a dia.
Minha mulher, volta e meia volta atônita, pasma, impactada com as conversas
que tem com nossas servidoras. E isto não diz respeito à ignorância
apenas em relação à dieta, aproveitamento de folhas e legumes,
mas diz respeito ao desconhecimento que têm até da maneira como
devem usar a pílula anticoncepcional. Pensavam essas empregadas, que
a pílula só deve ser tomada quando se tem relação
sexual. Outras tomavam a mesma pílula de uma prima ou colega, sem irem
ao médico. Outras dividem uma pílula em duas, porque não
têm dinheiro para comprar uma cartela inteira. E o desconhecimento do
funcionamento do seu corpo é espantoso, embora a televisão e os
fascículos em banca estejam estampando toda sorte de informação
a respeito.
E o mais intrigante. Minha mulher detetou em algumas delas uma síndrome
perturbadora: o regozijo do não saber, o júbilo da ignorância.
Pois apesar das explicações didáticas sobre esses e outros
assuntos, volta e meia, aparecem com uma frase onde revelam que vão manter
seu comportamento e suas idéias antigas, porque desconfiam do "saber"
dos letrados. É como se a simpatia, a magia e a tradição
fossem mais forte que qualquer outro tipo de informação. Ou seja,
verifica-se aquele quadro a que me referi anteriormente: vieram de uma cultural
rural, não trouxeram para a cidade esse conhecimento e não assimilaram
o saber disponível. O mundo, enquanto texto, não lhes interessa.
Vivem numa situação pré-texto e desviante do texto.
Então, estamos numa situação paradoxal. Num universo de
abundância de informação, as pessoas não querem ser
informadas. Pois, informar-se implica em mudar comportamento e mudar comportamento
não é uma operação cômoda, é como crescer,
operação árdua, milimétrica, dificultosa.
Aqui confirma-se aquilo que MacLuhan dizia de uma certa lagarta que olhando
uma explendorosa borboleta exclama;- "Eu jamais me transformarei num monstro
daqueles".
Lembro-me de já lido e também de ja ter escrito sobre o fato
de que o índio na floresta sabe ler os signos de seu mundo e nós
na cidade nos achamos totalmente perdidos como se estivéssemos numa floresta
de indecifráveis signos. Para dirimir o pânico, lemos os jornais-
vitrina, espelho, e nem por isto nos entendemos melhor.
A relação harmônica entre o primitivo e o meio foi rompida
pela arrogância civilizatória. Sem querer pregar o regresso à
uma mítica " edad dorada", importa lembrar com Levi-Strauss
em "Tristes Trópicos", que as sociedades não letradas
também têm cultura e as sociedade da escrita não são
necessariamente ética e humanamente melhores que as dos analfabetos.
É preciso ousar dizer isto, sobretudo nós que batalhamos pela
leitura . Até estrategicamente, dialeticamente e por humildade é
bom questionar pela raiz o nosso saber para talvez reafirmá-lo mais correta
e abertamente.
Com isto estou querendo ressaltar que uma das missões mais árduas
daqueles que trabalham com e pela leitura é enfrentar a questão
da banalidade da informação na sociedade eletrônica. Sim,
banalidade, termo que aguça ainda mais o sentido de superabundância
a que me referi anteriormente, pois a idéia de " abundância"
pode induzir a um júbilo interpretativo.
Há um refrão que sempre digo e uma vez mais o repito, e que se
encaixa no que estou configurando: quando falamos de leitura não estamos
falando de leitura, mas , sim, de leitura . O trabalho por uma sociedade leitora
consiste antes de tudo em desautomatizar a noção trivial de leitura,
porque o que se comprova na sociedade do excesso de letras e sinais é
que os que lêem, não lêem.
Daí a necessidade de retomar o conceito de anomia a que me referi anteriormente.
Já que a palavra não vem mais da boca de Deus diretamente e que
é necessário interpretá-la, decodificá-la, torna-se,
mais do que nunca, urgente desenvolver estratégias de leitura do mundo.
As vitrinas estão cheias de palavras. As ruas estão cheias de
palavras. A televisão, a Internet, o cinema estão cheios de palavras.
As bancas de jornais, as falas dos políticos e artistas jorram palavras.
As camisetas estão cheia de palavras. Muitas delas em inglês ,
e o suburbano brasileiro ou marroquino que as veste não tem a menor idéia
do que está expondo sobre o seu corpo. Transporta um discurso alheio,
estampa irrefletidamente a logomarca de outro, é um portador de significados,
apenas um suporte de informação.
Isto tudo contrasta com outros depoimentos que emergem sobretudo dos indivíduos
mais oprimidos em nossa sociedade letrada. Depoimento de marginais como o de
uma certa Andiara Leite ao "Jornal do Brasil" (4.6.2000) é
tocante. É uma coisa forte, isto que essa moça diz: que no meio
de sua desgraça como menina de rua, ladra, drogada, exposta à
prostituição, depois de já ter nascido numa penitenciária-
já que sua mãe estava encarcerada- no meio disto, falando sobre
sua vida e anseios, lembra de uma certa D. Vera que lia histórias para
ela e seu grupo no Largo do Machado e diz:" eu tinha vontade de ter meu
próprio livro. Eu tinha um sonho de ser poeta".
Ter vontade de ter um livro, um livro que seja, e seu. Em seu desamparo ela
está dizendo o mesmo que pensadores como Heidegger também dizem:
poeta é aquele que dá sentido às coisas, que provoca a
reunião relevante e revelante do sentido, que organiza em linguagem o
caos da sua polis .
Possivelmente é disto que necessita a sociedade da anomia letrada e
da entropia informacional, de que seja mobilizado , potencializado o genoma
poético dos indivíduos para que se tornem sujeitos num universo
de objetos passivos.
Mexo nos meus arquivos sobre leitura e dou com uma entrevista de um menor criminoso
M.P.C.C. de 16 anos. Uma entrevista ao então Secretário de Segurança
do Estado Rio- Hélio Luz na "Revista de Domingo"(JB) de uns
três anos atrás. No meio de dramas perturbadores, quando Hélio
Luz pergunta ao menor interno:-" O que lhe faz falta?" , ele responde:
" O estudo. Com ele eu conseguiria uma vida melhor. Pra ter isto preciso
ter leitura. Eu leio muito pouco, soletro. Sei escrever também".
Este e outros depoimentos que guardei revelam uma coisa patética: os
marginais e pobres sabem que a leitura é um instrumento de resgate social.
Que bom se os governantes tivessem igual convicção ou que então
parassem de fazer aquilo que já qualifiquei de " discurso duplo"(
4 ).
No meio desses textos deparo-me com um, imaginem, de Gerard Depardieu. Em geral,
não se sabe que o mais notável ator francês da atualidade
foi um menino favelado. E o que ele fala sobre o papel da leitura no resgate
de sua vida é significativo. No "La Nación" de Buenos
Aires(20.11.1999) uma ilustrativa reportagem lembra o personagem Cyrano de Bergerac,
que Depardieu encarnou , e que era um tipo que possuía as palavras mais
maravilhosas, mas que não podia expressá-las à sua amada,
atemorisado que ela o rejeitasse por ter aquele enorme nariz. Depardieu conta
então que sofreu também uma impotência similar a do seu
pernagem: " Eu não tinha vocabulário e isto bloqueava todas
minhas emoções" diz ele. "Mas tive a sorte de ler e
depois de crer no que lia. Quando li pela primeira vez "Madame, eu a amo",
logo pude dizê-lo, me senti muito importante. É que sou um menino
de favela, ainda que tenha nascido num país do Primeiro Mundo, porque
en todos os lados há favelas. E que têm as favelas? O rap, o futebol
e a tevê. Por sorte, o cinema me salvou da incomunicação, e os personagens históricos me deram uma carga cultural a qual nunca
pude aceder porque não fui suficientemente à escola".
A metáfora inscrita no personagem Cyrano de Bergerac é dupla.
De um lado, Cyrano que possuía as palavras e as manejava com a habilidade
de um espadachim apaixonado. De outro, o outro pretendente que se servia das
palavras e da voz de Cyrano para conquistar Roxana. Um caso de ventriloquismo
e de esquizofrenia em relação à linguagem. A impotência
e o disfarce.
Mas o dom de Cyrano, é o mesmo almejado pela menina marginal a que me
referi acima - o dom poético. E aqui não se trata da poesia enquanto
o sagrado da primeira escrita, senão a linguagem que por ser poeticamente
reunificadora potencializa amorosamente consciência humana e é
capaz de vencer a anomia dos tempos atuais.
Enfim.
Interpretar.
Ler o mundo.
Reinventá-lo com a poesia possível.
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