Outubro. Cinco e meia da tarde. Caminhavam sozinhos dois homens. Lado a lado eles seguiam a mesma direção. Conversavam e riam e apontavam para os animais na estrada. Era uma precária estrada de terra, com lama e buracos e cobras que atravessavam o caminho. Iniciava na beira do asfalto de uma importante avenida da cidade. Já era um bairro afastado, mas havia lá postos de gasolina, restaurantes e prédios.
Eram ambos trabalhadores da fábrica de cimento que abastecia a cidade e os distritos ao redor. Fundada em 1891 e com mais de quatro mil empregados, era uma das maiores e mais imponentes estruturas da construção civil. Ambos chegavam ao serviço às seis e meia da manhã e batiam o ponto às cinco. "Construímos suas casas e vocês constroem uma família feliz e segura" era o lema. Pouco criativo.
E eles caminhavam juntos há muitos anos. Em todas as pequenas casas que acompanhavam a estrada pelas beiras eles eram cumprimentados e chamados pelos próprios nomes. Algo aconteceu então. Como sempre, algo tem que acontecer. Eles não foram mais vistos caminhando juntos. Seguia um na frente e o outro atrás, ao longe, sem trocarem olhares e nem palavras. Eles faziam agora o percurso todo como estranhos, como desconhecidos - e que se odiavam. Ninguém saberia explicar o porquê. E seguiram dois meses nesse ambiente estéril; andavam prostrados, pensativos, resmungando sozinhos com seus botões. Cômico.
Nesses dois meses que sucederam, um deles comprou um carro. Fazia agora o percurso todo - com seus aproximados dois quilômetros - de carro. Nem uma única vez voltou a caminhar. Seu antigo companheiro de jornada seguia o ritual a pé, sem reclamar, sem se mostrar feliz; completamente alheio à qualquer emoção.
Final de Novembro. Cinco e meia da tarde. O viajante solitário fazia seu trajeto diário - sempre muito reflexivo - e percebe um carro se aproximando. Seu (ex?) colega estava na direção.
O motorista desce o vidro da janela e olha para seu companheiro. Não trocam nenhuma palavra. Ele abre a porta e o outro entra. É oferecida a carona, mas nenhuma conversação - de novo. E isso se repete várias vezes: um vem sozinho à frente, até que o outro o alcança com o carro e lhe dá a carona. Como antes, vão novamente juntos até seus destinos, mas sem as cortesias de antes. Eles estão juntos, mas não interagem.
Dezembro. Cinco e meia da tarde. Estão os dois no carro.
- Então? - diz o motorista.
- Pois é. - respondeu o outro.
E eles vão avançando na estrada. O tempo é fresco, o céu está limpo e a lama secou.
- Você se lembra quando tudo mudou? - pergunta o motorista.
- Sim.
- Você se lembra o que aconteceu?
- Você me disse que eu jamais poderia amar de novo.
- Alguma coisa mudou?
- Sim. Obrigado.
- O que houve?
- Fui visitar meu filho. - disse o carona, entre poucas lágrimas.
- Este é o melhor presente de Natal que ele poderia ganhar! Vamos, faremos uma Ceia hoje e quero você lá!
- Está bem.
E o filho na prisão sente sua alma ganhar uma segunda vida, ao receber o perdão do pai. Ele se reconstrói e se torna um homem de verdade. Ele se arrepende de seu crime. Sua vida terminará dentro de uma cela. A filha do amigo de seu pai continuará morta. Mas ele se arrepende e sente o peso de seu crime atormentando-lhe todas as noites, todos os dias, à cada respiração. Mas o pai da garota - o amigo de seu pai - também lhe deu o perdão. E quando ele o absolveu, a luz de Deus o iluminou.