A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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Doce Valentina

(Bárbara Weirdan)

Valentina sempre foi uma menina doce, de coração gentil, sensibilidade aguçada, sorriso fácil e choro incontido.

Embora carregue uma grande coragem no nome, nunca foi uma criança valente. Tinha medo de Merthiolate, de escuro e um pânico aflitivo da solidão, mesmo conseguindo ter um único amigo por vez.

Nunca entendeu como era possível ter uma amizade verdadeira com mais de uma pessoa ao mesmo tempo. Ter um amigo desprendia tempo, entendimento, reciprocidade, sincronicidade e algumas brigas...

Em uma das discussões com sua vizinha e melhor amiga levou uns tapas. Fora a primeira vez que isso tinha acontecido, era a primeira vez que Valentina sangrava por dentro, não pelos tapas que levou, mas pelo tapa que revidou por ordem da mãe, "Larga de ser boba, menina. Volta lá e revida", aprendeu que deveria agir feito uma pessoa horrível para que as outras a respeitassem.

Logo ela que nunca fora uma grande jogadora ou uma exímia conquistadora de espaços, pelo contrário, era invisível para a maioria e sempre teve um certo azar no amor. Não só no amor romântico. Nunca se sentira correspondida, nem pelo amor que sentia às coisas, nem pelo amor que sentia pelas pessoas a sua volta. Nunca houvera uma reciprocidade que chegasse aos pés da intensidade do carinho que sentia por todas as coisas que habitavam sua vida.

A adolescência chegou e com ela todas as frustrações e choques de realidade plausíveis de uma adolescente. Se quando criança era uma garota sensível, na adolescência todos os sentimentos doces de Valentina ficaram à flor da pele.

Aprendeu o que era ser rejeitada e entendeu que ninguém compreenderia sua pequena genialidade ou corresponderia o seu amor puro, colorido e doce.

Recebeu rispidez, recebeu decepções, percebeu que todos os seus segredos já compartilhados nunca foram secretos, foi traída de diversas formas e a cada dor o coração sangrou, a cada dor chorou incontidamente mesmo com os julgamentos de dramaticidade que recebeu.

É verdade que também inspirou alguns amores e uma porção de afetos. E como eram pesados! Sentia-se responsável pelos amores que cativara mesmo não conseguindo lhes corresponder à altura.

Aprisionou-se na responsabilidade de retribuir amores que ela não escolhera possuir ao mesmo tempo que era ferida pelos amores que possuía e não tinha reciprocidade.

Ela continuava tentando dar flores enquanto recebia espinhos e quase em nenhum dos casos houve sincronicidade.

Com o tempo descobriu que todas as suas desventuras são fatos corriqueiros na vida de todos que habitam esse planeta. Que todos passam por esses desencontros, sobras e faltas. A diferença é que a maioria se tornam pessoas piores a cada tapa que recebem da vida, mas todos, sem exceção, tinham motivos para ser quem haviam se tornado.

Dessa vez desobedeceu e não revidou os tapas que recebeu para conquistar o espaço que queria no meio de todas aquelas pessoas.

Se fechou, não para as possibilidades, agora adulta, Valentina trancou todas as suas expectativas dentro do peito. Respirou e considerou que receberia sempre o que cada um fosse capaz de lhe oferecer. Sabia, agora, que todo o carinho que ela possuía deveria sair de dentro de si e ser distribuído sem que ninguém tivesse responsabilidade em devolvê-lo. O amor não era mais uma matéria prima que deveria ser trocada, o amor passou a ser arte final.

Hoje ela tem grandes amigos, cada um com sua forma, com seus defeitos, qualidades, loucuras e peculiaridades.

Mas Valentina continua acreditando que só é possível ter um único amigo verdadeiro por vez. E quando lhe perguntam quem tem toda sua confiança, guarda seus melhores momentos e seus mais secretos segredos, Valentina suspira, sorri e diz: "O nome dessa é Solidão".

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