Ontem acordei com o barulho inconfundível de um sonho.
Estava garoando, ainda não eram 6 da manhã e a surpresa de uma
realidade inacreditável me tirou apressada da cama.
Evidente que jamais me tornei tão veloz quanto o desejado, e pela janela
aberta de forma brusca, pude continuar a ouvir o som, mas sem a dádiva
da imagem. Talvez apenas a auto-sugestão do rastro no asfalto ou do cheiro
da borracha queimada. E vi tudo o que se sucedeu: polícia, ambulância,
produção, CET...
Era inacreditável que tinha acontecido. Era a proximidade inatingível
que emociona e traz a tona lembranças adormecidas: a menina que brincava
com carrinhos, as revistinhas com a tabela do campeonato para anotar a pontuação
dos pilotos, o prazer em decorar números dos carros, equipes, diretores,
marcas de pneus, motor turbo, aspirado, a ausência de reabastecimento...
Alboreto, Patrese, Piquet e Mansell, Nakajima e Senna, Prost e Senna, a migração
de pilotos da Fórmula Indy... E enfim, Michael Schumacher que se despede
aqui, em nosso solo caótico e sagrado.
Nunca cheguei sequer a entrar num Kart, apesar de passar boa parte da infância
tentando convencer meu pai a me patrocinar.
Ontem, o ronco daquele motor de uma RBR passando tão pertinho, na Av.
23 de maio - uma dessas coisas que só acontecem em São Paulo -
ficou ecoando, martelando em meu coração durante todo o dia, preenchendo
qualquer silêncio que tentasse se impor.
Era a certeza de que tudo é possível, embora eu não tenha
tido a chance.
E percebi que o piloto de Fórmula 1 continua aqui dentro, intacto, pretensioso, ainda
sonhando em ser a primeira mulher a ganhar um campeonato. Um dia, alguém
vai realizar este sonho por mim.