A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas

Agostina Akemi Sasaoka

  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

05:46

(Agostina Akemi Sasaoka)

Ontem acordei com o barulho inconfundível de um sonho.

Estava garoando, ainda não eram 6 da manhã e a surpresa de uma realidade inacreditável me tirou apressada da cama.

Evidente que jamais me tornei tão veloz quanto o desejado, e pela janela aberta de forma brusca, pude continuar a ouvir o som, mas sem a dádiva da imagem. Talvez apenas a auto-sugestão do rastro no asfalto ou do cheiro da borracha queimada. E vi tudo o que se sucedeu: polícia, ambulância, produção, CET...

Era inacreditável que tinha acontecido. Era a proximidade inatingível que emociona e traz a tona lembranças adormecidas: a menina que brincava com carrinhos, as revistinhas com a tabela do campeonato para anotar a pontuação dos pilotos, o prazer em decorar números dos carros, equipes, diretores, marcas de pneus, motor turbo, aspirado, a ausência de reabastecimento... Alboreto, Patrese, Piquet e Mansell, Nakajima e Senna, Prost e Senna, a migração de pilotos da Fórmula Indy... E enfim, Michael Schumacher que se despede aqui, em nosso solo caótico e sagrado.

Nunca cheguei sequer a entrar num Kart, apesar de passar boa parte da infância tentando convencer meu pai a me patrocinar.

Ontem, o ronco daquele motor de uma RBR passando tão pertinho, na Av. 23 de maio - uma dessas coisas que só acontecem em São Paulo - ficou ecoando, martelando em meu coração durante todo o dia, preenchendo qualquer silêncio que tentasse se impor.

Era a certeza de que tudo é possível, embora eu não tenha tido a chance.

E percebi que o piloto de Fórmula 1 continua aqui dentro, intacto, pretensioso, ainda sonhando em ser a primeira mulher a ganhar um campeonato. Um dia, alguém vai realizar este sonho por mim.

últimas crônicas
Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente