O poema não
O poema não muda o mundo,
não transforma opiniões,
não modifica corações -
nem dá porrada na boca do estômago.
Este e qualquer outro poema
não causa dor ou alegria,
não nos preenche ou esvazia -
nem dá frio na boca do estômago.
O poema não causa efeito,
não provoca reação,
não dá frio ou ebulição -
não tira a fome da boca do estômago.
Poema, poema, não dá tiro,
não nos fere profundo,
não desfere nenhum dilema -
antes, mata porque não é perfeito.
O poema não muda o mundo,
não faz unir ou separar,
não faz tirar nem se dar -
nem faz roncar a boca do estômago.
Nenhum poema é romântico
o bastante para beijar na boca,
o suficiente para declarar amor -
nem dá na boca a palavra do estômago.
O poema não norteia ninguém,
nem leva ao fundo do poço,
não faz silêncio ou alvoroço -
o poema não revira a boca do estômago.
Qualquer poema não é feito
com saudável pensamento,
paladar, aroma, sentido humano -
antes, com vômito é feito, e falta de banho.
Nada, coisa nenhuma de explicar,
bolso que não se guarda, camisa,
calça, pano que não se veste, destece -
não tem fundo, cor ou separação em armário.
Assim, poema não é gaveta
não guarda bens, nem rancor,
não faz passar mal, ou amar
o poema não muda a boca do estômago.
O poema, calado, come em sua boca
o estômago roncando seus direitos -
o poema, esse calafrio do que se come
escrito, no papel do pão de cada estômago.
(Zuza Nascimento)
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