A Garganta da Serpente

Weliton Carvalho

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POEMA EM PLENO VÔO

Em Recife,
às quatro horas da tarde
do alto do apartamento
tinha um papel pequeno e solto
contendo um poema.

Ventava muito ali na varanda
mas o poema não poderia está mais bem protegido
debaixo do livro do Carlos Drummond de Andrade.

De repente, tomei do livro
e me esqueci do poema.

Revoltado, talvez,
tomado pelo complexo de inferioridade, certamente
o poema aproveitou a carona do vento e voou.

Teria perdido o poema para sempre,
                               pensei.

Atônito já não me lembrava das palavras
que voavam, agora, para longe.
Impávido, acompanhava as parábolas do poema,
                                        no ar
sobrevoando a copa da árvore,
se recusando a pousar.

Uma moça que passava
tentou tomar o poema em suas mãos,
mas o vento o levou para ainda mais longe.
E ela me sorriu como a dizer:
- Teu melhor poema fugiu, poeta.

De minha sacada
restava apenas constatar
que as palavras se dissolviam
                          no balé do ar.

Ia longe o poema:
perdendo-se de mim
para ganhar a rua,
o bairro, a cidade
e o olhar de um homem
que jamais o vai ter,
mas o vê, distante,
comovido.


(Weliton Carvalho)


voltar última atualização: 21/06/2010
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