A Divina Canção
No instante que antecede a luta sanguinolenta,
Na qual terei como vítima os que, em vida, amei
Em angustiante prosa íntima, triste, pensei
Que a vitória que enobrece, mas enluta, não alenta
E prostrado ao chão, a espada longe lancei
E aos céus, em prantos, jurei a morte preferir
Em nada que me agrada com o corte vou ferir
Ainda que, insana, assim me mande a lei
Mas ao ouvir-me, o amigo, até então calado,
Com o olhar de quem há muito domina´alma,
Argüiu-me seriamente, em profunda calma:
"Que covardia o faz ficar parado?
Não sabes que a escravidão ao apego néscio
Que o faz temer a ação que glorifica
Alimenta a paixão que mortifica
Fechando-lhe as portas para o estado excelso?
Quem não luta e não mata o mal que agrada
E prefere, em vida, toda vida gozar
Ilude a si mesmo sem poder encontrar
A essência que dignifica e que afasta o nada".
E cercado de nova luz tomei na mão a espada
E embrenhei-me ferozmente na minha guerra santa
Não sei se morrerei para que o sentido vença
Ou se sentidos morrerão pra que o Eu nasça.
(Vitor Zaire)
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