Coração
Se pudesse ao menos descrever
a desventura infindável que emana de teu peito
Mas como arranjar em palavras o que o próprio coração desarranjou?
Teu coração...foi o mundo, talvez, que lhe desbotou o vermelho
e lhe impregnou desse ranço insosso, dessa rotina
preguiçosa que assumiste como tua
Junho já chega, o frio já chega, a noite já chega
mas, afinal, como é que chega?
Em São Carlos, os termômetros acusam nove graus
Mas São Carlos é muito maior que teu coração
E mais aberta, aliás,
e, por isso, o frio se espalha mais facilmente pelas ruas
da cidade que pelas veias que te conduzem a vida
Teu coração pequeno, absorvido pelos dias,
se apropria do fogo que encontrou na montanha de seu refúgio
Mas se esquece de bater no tempo dos relógios,
no apressado tempo dos homens
E, por vezes, se esquece mesmo de bater em qualquer tempo
Não importa se em junho ou dezembro,
não existe calendário em nossa aorta
Só há um pouco de dor acumulada pelos dias,
alguma memória se desprendendo para o nada
Mas um espasmo, uma diástole, e se torna músculo, enfim,
que é mesmo o que é,
sem os acréscimos forçados do teu cotidiano incolor.
(Vinícius dos Santos)
|