NEGAÇÃO
nego o tempo e anseio pela vida
da janela observo a chuva que cai
inunda a cidade e lava a pátina recente
os fósseis do cotidiano residem apenas nas lembranças
nas memórias de velhos álbuns de fotografias
na pegada incrustada no pó que a chuva não alcança
nego a chuva em seu ato de covardia
da janela observo o dia que se cansa
da cidade, paradoxo moderno: apesar de cheia, está vazia
as ruas reluzem o cinza do betume
vomitado sobre as antigas pedras lisas
do velho calçamento que abrigou as fezes eqüinas
nego a Luz rebelde que se apaga
da janela observo as novas luzes que se acendem
dorme o sol, morrem as lamparinas, impera fálica a luz que o poste irradia
as calçadas abrigam as sombras andarilhas
mulheres que correm, mulheres que se postam sob os postes
e aguardam os errantes de vida vadia
nego a vida e anseio pelo tempo
da janela observo a noite que morre
inunda a cidade... e devolve a poesia!
(Viegas Fernandes da Costa)
|