A Garganta da Serpente

Viegas Fernandes da Costa

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CÂNTARO DAS MINHAS NÁUSEAS

carrego calçados furados, meias furadas
e um monte de pedras nos bolsos

aos olhos, tantas estradas
e os rastros do passado

carrego a desventura do sonho
como meu bem mais precioso

às mãos, apenas a atrofia
e as infinitas possibilidades do vazio

carrego meus ossos, meus órgãos, meus medos
no cântaro das minhas náuseas

- mas já não tenho certezas

fecharam-se as portas das minhas igrejas
meus santos, descobri-os de gesso

e suspiro órfão às margens do Vale!

pudera cantar minhas certezas
profanar meu sudário e imprimir-lhe a marca que desejasse
parir glórias, pintar vitórias

pudera escalar pedras, fossas abissais
caminhar descalço nos caminhos que sempre sonhei
marcar a fogo as leis da humanidade

mas vazaram-se os olhos da terra
entortaram-se os pés
recolheram-se os dedos das mãos

e assim, fetal, recolho-me ao princípio
onde ainda se é possível
o desejo e a história.


(Viegas Fernandes da Costa)


voltar última atualização: 15/05/2007
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