A Garganta da Serpente

Victor Menegatti

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As florestas contidas num livro

Do primeiro encontro a fragilidade dócil
florescerá a fragrância arsênica,
doce e una como o carbono,
suave como a seda:
tempestades...
O césio a terra devasta,
mas sua beleza atenciosa,
majestosa e fulgurante,
irrompe das cores incestuosa,
verde aquoso e anêmico
brilha tal qual as gramíneas
entre os musgos da encosta.
Como desenvolve o líquen a vida,
como ajudam os insetos as flores,
como estalam o grão os não-me-toques
e enroscadas vivem as madressilvas;
nalgumas cascas famintas orquídeas,
catando moscas lá vão as dionéias,
estranhas mortuárias são as raflésias
na terra do céu estrelas caídas;
a cuscuta faz ingerir a planta
como tênias selvagens a cicuta
-estamos longe, indo em direção ao sol!
Olhem só a que beleza
o meu canto comparado
à sombra duma figueira
logo abaixo -bem abaixo
-chegou, por fim. A experiência
à natureza da miséria uniu-se:
o orvalho caiu por terra,
tal qual figueira
sua sombra estrangula outras sombras,
sua Veia estraçalha as veias,
sua Artéria espreme as artérias,
e cava fundo na desgraceira
a graciosidade febril das colméias
qual fogo de galafoice,
qual docilidade dos doces,
qual surpresa em tela branca
da inocência banal dum pintor menor.
Os perfumes surgem aos montes
em garrafas de vidro e de plástico,
quando saberemos de novo a essência
desses odores que não clamam por libertação?
Estamos derrotados e na derrota vivemos,
o rosto erguido e o brilho nos lábios,
frutos dóceis e amaneirados
numa história sem contestação.
Essas mudezas que não se declaram
florescendo à sombra de nossas ausências
são a oitava-rima do desamparo
no céu espelhado das incertezas.


(Victor Menegatti)


voltar última atualização: 09/11/2010
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