A Garganta da Serpente

Victor Carbone

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Sobre Os Meus Amores ( I )

Amo tudo que respira
Amo os que têm pés e os que não têm
Os que andam e os imóveis
Os cegos, os surdos, as pedras e as árvores
Os mudos e os corações
Os falantes, os grilos, os sapos
Os fiéis, os ateus, os deuses
Os felinos e os ratos

Amo as luzes dos abajures
Amo as luzes dos lustres
Amo as luzes da Lua
Amo as luzes das mães
As luvas e os cachecóis

Amo quem me ama e amo quem me detém
Amo os pensamentos
E amo também aquilo que não se pensa
Amo os gritos, os uivos
As revoluções e o que não se diz

Amo o que está calado
Xícaras, quadros nas paredes, fotos nos porta-retratos
Amo tudo que tem vida e tudo que não é amado
Não por piedade
Mas, por ter asas
E tendo asas, não tenho medo de viver
E tendo asas posso amar tudo que já foi
Tudo o que não veio
Tudo o que é
E tudo o que não é
Até mesmo o que não pode ser

E amo texturas, formas,
Minhas células, meus poros
Tudo o que faz barulho
Salto alto em piso de madeira
Ela chegando
Inspiração em máquinas de escrever
Ela criando
Vento, trovão
A voz dela ao telefone
Batidas em meu coração

Amo tudo que fala
Tudo que incendeia
Pessoas, bichos
(Às vezes, mais bichos que pessoas)
E fogos de artifício
E fósforos, isqueiros, lareiras
Fogueiras de São João

Amo quem foi embora
Amo quem está ao meu lado
Amo tudo que me espera
E todos que aguardo
Amores e romances que invento
Pessoas que chamam meu nome deitadas em suas camas

Por isso amo tudo que ama
Todos que me querem e todos que não me conhecem
Todos os prazeres e algumas substâncias químicas

Amo quem me criou
E amo ainda mais quem criou quem me criou
Amo os meus dedos
E com eles, faço carinho nas paredes

Tenho amor a quem não tem
Amor a quem me quer
Amor a tudo que vem

Não rejeito dissabores
Não aguardo nada que não deva ser aguardado
Não desejo nada que não deva ser desejado
Porque o que desejo vem de mim
E o que vem de mim, vem de Deus
Portanto sou mais limpo que um céu de Sábado
Sou brando, leve
Sou uma nuvem
Sou uma fruta roubada do pé
Um varal repleto de roupas
Sou as paredes de todos os frascos de todos os bons perfumes

Sou azul e às vezes vermelho
Verde meio lilás
Como todos, tenho cores desconhecidas
E alguém enxergará minhas cores verdadeiras
Sou pontos finais, vírgulas, reticências
Palavras que ninguém conseguiu descobrir
Iniventável
Sou a descoberta, a criação,
Os olhos de todos os cães

Tenho fome, sede
Sou humano e adoro chocolate
Tenho coisas guardadas no peito
Segredos em árvores plantadas em meu coração
Uma música que supera o som
Um desenho bordado num pano

Tenho sonhos
Alguns pesadelos
Comendo o que gosto
E com os pés descalços no chão
Consigo manter-me no tom
Eu sou
Então, amo


(Victor Carbone)


voltar última atualização: 16/11/2001
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