DEVASSA
Todo dia descem brios, águas de um brasil sombrio,
e o intruso derrama a avidez sobre essa terra,
suprime ipês, mognos e jatobás,
a ong prega,a batina reza,
de boa fé e olho bem aberto,
o deserto.
Todo dia, rios, essências e patentes voam,
nas autorizações e projetos, com o aval da elite cinzenta
da colônia e o louvor da miséria que financia
a gula secular, sem naus ou mar revolto,
de discurso solto,
para ouvidos e bolsos dos próceres da sustentabilidade cabocla
que cura a diarréia verborrágica do astronauta.
Todo dia, o balanço mercantil urde o caminho,
do desatino e a commodity engorda o olho azul da corja,
expunge o homem,
sub-homem,
o não-certificado homem,
para a tocaia de novos eldorados,
e afogado na lama periférica, náufrago da macro-drenagem moral
do BID,
não vê a comoção do âncora,
o deglutir do lácio,
da tradição,
da mezinha,
o espírito da terra, do homem-terra,
pirateado,engarrafado,
com código de barras,
no cupuaçu nipônico,
na rapadura germânica,
na conferência antropológica,
na novidade imagética do ritual Kanela.
Todo o dia a ilha flutua,abre o ventre
ao olho sutil da guerra mapeada,
não vê murchar a criança,
olhos tostados, infância retorcida,
perder-se nas caieiras e na vida,
de fornos e fogueiras da estrada,
sumir na curva,
da aldeia ou do rio,
na gravidez da lua,
ou da rua,
abocanhar a sobra misericordiosa do iate de Cousteau,
captura de lente e palavra.
Todo dia, a onça foge ao cerco do Neo-latifúndio,
do olho-fuzil azul do mundo,
da pilhagem dos diabos sugadores dos últimos dias,
que compram suíças, holandas e reservas,
vendem seu deus-espelho e jugo ao nativo,
na freira-manchete de Anapu do New York Times.
E a pátria,em liquidação, via internet,
torra a floresta,
troca Chicos, Canutos e Casaldáligas, conspurcada,
por parcos cobres, envaidecida com a foto na Spiegel,
da menina, da corça e da ministra
ao irromper o fogo, que
vacila entre rezar a cartilha,
apertar a matilha,perder o posto,
ou morrer de desgosto em seu travesseiro de freira.
E a História vira a página,cunha um novo mapa,
na sexta economia do mundo.
(Alma Assoreada, 2007)
(Vicente Cariri)
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