ELOGIO À LUXÚRIA
Corpo é preciso, alma imprescindível.
Luxúria é atributo, divino e carnal
não é só momento,
é a pulsação genital do tempo,
é pensamento, é todo o tempo, é tempo sempre.
Desde os primórdios do tudo a mente despe-se,
sempre, antes do corpo, corre,
rente à corrente,recorrente,
rubra do desejo, inconsciente, incongruente,
pelo corpo, pelos, cerebelo,
de tudo se apodera e apossa,
sutil, crescente.
Não morre nem amarela como a rocha intempérica que esfarela,
ou despenca do abismo e sedimenta,
pois a mente nunca assenta,
E mesmo decomposto o corpo,
em toda parte semeado, reposto,
é sempre recomposto.
Luxúria é entender que nasço,
cresço, viço e morro de ar,
de tiro ou masmorra,
dentro de mim mesmo,
solitário, a esmo,
como o boticário que inventa o aroma
ou o bruxo que deglute o idioma que não entende
e pensa que é duende, dono dos arquétipos.
A luxúria é dom poético,
que o olho escuta e o coração consome, densa,
luxúria é de anjo, de homem,
de hoje, de antanho, do lobisomem da menina,
ardente fosforesce a verve, dissipa o brilho de navalha
aplaca o coração do fauno após um beijo.
É a cal, a malva, calha calma que refina o pó da lama,
trina, turva ou cristalina
e tisna a alcova e quase sempre alva,
lava a palma pura, alvíssima levedura,
fermento aquoso do primeiro desejo.
Luxúria é o rio que alisa a margem,
corre, ribanceira que fogosa entrega-se, escorrega
Presa fácil do rio caudaloso,
Que como a alma do poeta experimenta,
o laço, o verso, o gracejo
e a ela entesa
e são uma coisa só,
uma densidade,
a outra leveza.
(2008)
(Vicente Cariri)
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