A Garganta da Serpente

Valdir Rodrigues

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Noite Preta

O ar frio,
embaça o vidro da cristaleira,
no quarto escuro e solitário,
o breu é iluminado
por um toco de vela, que acabara de apagar,
o meu corpo permanecia imóvel
no leito pouco aquecido.

Três dias se passaram - como se fosse um!
sem que eu movesse um só músculo,
pressentia o meu fim!
era só questão de dias ou horas...

O vento sopra,
e pela janela entra - tocando meu corpo,
e leva o resto de vida que me atina,
o meu coração aos poucos
recusa-se a bater com regularidade,
a respiração... lenta... fraca...
marca o compasso ensaiado da morte!...

Gargalhadas gritam em meus ouvidos!
é o vento!... que geme - anunciando a minha hora!

Lembrei-me então - de minha infância,
tudo que passei durante minha metamorfose humana,
poderia ser melhor ou pior!

Um gemido mais forte me arrepiou a nuca!
um calafrio, que subiu dos pés a cabeça,
senti meus lábios frio - meu corpo anestesiado,
como se minha estadia a terra, tivesse chegado ao fim.
O silêncio!...
(...) (...) (...)
gritos de desespero quebram tudo,
gemidos - suspiros ardentes - cheiro de enxofre!?

Línguas eram faladas!
não as entendo!
uma fumaça subiu por todos os lados,
uma luz ilumina - uma chama!
uma figura sombria se aproxima - sem rosto...
é ela - a morte!...

Sua voz roça as paredes...
- Não tenha medo!
Meus olhos estarrecidos
confirmam tudo...

Sua voz penetra minha mente...
- Não tenha medo, eu sou a morte!

Minhas palavras não saem!
perguntei-lhe em voz tremula...
- Por que não devo teme-la?

Ela continuou...
- Por que? eu não sou como vocês dizem ou escrevem!...
a morte não é tão ruim!

Lhe respondi...
- Então, por que, minha fronte se entristece?
minha boca não mais se umedece?
e meu coração se desfalece?
meus lábios frios - roxo,
não está mais corado?
Sua voz em gargalhadas...
- Não seja tolo poeta!...
não me faça rir!
não vê que esta morrendo?

Perguntei-lhe...
- Mas, por que assim, sozinho?
perdido em meu próprio quarto sem ninguém?
morrendo mais de tristeza do que a própria morte?
como um traste! morrendo de fome! sede!

A morte me diz...
- Posso mudar tudo!... não sou como vocês me vêem!
sou a morte, por que, fui criada assim,
as pessoas morrem, por que chegou a hora!
ou muitas abusam, então, tenho que vir busca-las,
se eu não matar, deixo de existir!
sou a morte amigo, criada para matar!
não me olhe com este olhar suspenso e frio...
não sou um monstro!
as pessoas que me transformam!

Interrompo-a e lhe pergunto:
Por que esta me dizendo isso?

Ela então respondeu-me...
- Lembra-se, quando disse para não temer-me?
vim aqui lhe propor um acordo!

Admirado pensei...
... o que seria o acordo?...
perguntei-lhe...
- Que tipo de acordo?
Ela me respondeu...
- Lhe dou a sua vida...
e você mostrará ao mundo,
que não sou um mostro!

- Mas, como?!...
perguntei-lhe...

Com sua poesias!...
falou a morte ...
Lhe disse ofegante...
- Ninguém irá acreditar em mim!...

Fala a morte depois de uma pausa...
- Todos sabem que esta mal - muito doente!
e que não conseguirá escapar com vida!
seus dias estão contados!
amanhã ao amanhecer, todos irão te ver!
e jamais duvidarão
que em uma noite me encontrou,
além de dar a morte, eu dou a vida!
dando a todos uma nova chance...
e essa é a sua!
vamos poeta!

"eu sou a morte e lhe dou a vida!".
você é o homem que me dará a luz"...

Num instante ela desaparece...
senti meu corpo descansado, leve,
senti vontade de correr, grita!
a muito tempo
a disposição não me animava como agora...
estou curado!
vivo novamente...

Amanhece o dia,
numa praça alguém que eles
chamavam de louco,
um homem que gritava a todos...

- A noite passada tudo se passou,
me encontrei com a morte, ela me curou!
vocês podem acreditar que a morte
numa noite preta,
veio me visitar...

(Londrina 1999)


(Valdir Rodrigues)


voltar última atualização: 12/12/2006
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