A Garganta da Serpente

Sônia Cardoso

  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

Poda

Na solidão extrema de sua casamata
de madeira e amianto, Noemi, vai podando
a hera que cobre seu muro de pedra e ameaça
cobrir seu coração tal o fel que cobre seus dias
sempre iguais, iguais sempre, sempre.

E para mudar, para respirar, para ter a ilusão de viver
ela vai lavando as pedras, com água e vassoura dura,
esfrega, esfrega vigorosamente, assim tem a sensação de
extirpar a maldade, a baixeza e toda a vilania com a qual
obrigou-se a conviver todo dia, e também as noites, todas.

Sorri placidamente para o carrasco pois sabe que assim talvez
tenha o sossego e a segurança que na juventude lhe impuseram
como única forma decente de crescer e multiplicar-se, mas agora
o desespero crescente e pungente de sua prole lhe conta que tudo foi
um engano terrível que quando o carrasco partir definitivamente só lhe

sobrará o desconsolo de ouvir aquilo que sua alma já vislumbra, e que seus rebentos já captaram há tempos embora só o admitam com lágrimas silenciosas, o tempo passou, os quinze, vinte anos passaram inapelavelmente, e você terá que silenciar sabendo ser a acusação, cruel

mas verdadeira, e você não terá argumentos para defesa a não ser a tua própria ruína.


(Sônia Cardoso)


voltar última atualização: 23/07/2007
8545 visitas desde 01/07/2005

Poemas desta autora:

Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente