PELOS OLHOS DO ABSTRATO
Olho por sobre o casario antigo, de paredes enegrecidas
Os telhados recobertos de limo;
Esta é a visão deste meu passado,
Que se avoluma tanto mais se cobre os dias.
Eis a mudança oculta do sutil passar das luas:
O que não se deixa notar pelo espelho,
Mas somente pela retrospectiva do olhar.
Diminui-me o tempo, avulta-se a memória;
E quando dou por mim, há aí mais que ver
Que em qualquer outro momento,
Inclusive o que me acaba de escapar.
Não sinto as novas marcas em meu rosto,
E tomo por mero desgaste o que é já cansaço;
Fotos antigas me são ridículas, engraçadas,
Mas claras como d'ontem fossem.
Que há com esses jovens, tão jovens quanto eu,
- assim me diz o coração - que não me olham nos olhos
Senão para pedir-me um cigarro?
Que fazem essas tenras moças a chamar-me "senhor"?
Eis o que a visão objetiva me não revela;
Eis o que vai só nas entrelinhas do abstrato,
Última fresta por onde vislumbrar além da névoa
Que lentamente se nos precipita a cada folha que cai.
Esta névoa, senhores, que só existe
Por nos declararmos eternamente jovens.
(Sérgio Luís do Carmo)
|