O VAZIO E A PENA
No fundo do sofá vazio,
jaz um homem sozinho,
os canais desfilam aos seus olhos
e não o acolhe, só espinhos.
Seu coração pára à boca
pelas crianças que passam correndo,
pela mulher que as levam sorrindo,
mesmos sorrisos e passos perdidos...
Como se parido já criança velha,
ficou ele na casa vazia,
parido sem dor, nascido sem choro
e feito órfão já velho.
A TV já cansada do homem,
desligou e o jogou ao papel,
que absorveu seus olhos úmidos
e se abriu à sua caneta azul.
Ao caminhar, caminho feito,
desopilando o pilado peito,
seres surgindo revividos,
como em um livro, relidos.
Dos churrascos, os velhos amigos,
o seu velho carro reluzindo,
suas filhas e mulher lhe sorrindo,
vindos pela trilha azul de sua pena.
Correndo o papel de brando prado,
é o homem de novo nascido,
com choro e bem doído,
como um velho poeta de novo lido.
Lido alto,
em juvenis e febris gaguejos úmidos
de jovens em corpos latentes
e espíritos mui calientes,
na fresca e bela barulhenta manhã.
A TV, agora esquecida,
às vezes, ressuscita,
quando a pena, cansada da mão,
deita então, e os seres,
em entrevida, se esquecem e vão.
Mas eis que esta cena assim fiada,
meio que nada em lago raso,
pois que é raso quando a pena
só se apena no desabafo.
Mas que se afunde a pena,
sem nenhuma pena
do papel que a depena,
antes, não se contenha.
Rasgue a cena da vida sanha
e a mostre nua em céu com lua.
É só ladainha de uma zinha,
esta cena em choro cantada.
Feito areia pelo mar lavada,
é a vida pela pena contada
quando pena, sem esconder nada,
diz cru a vida triste levada.
(Rose Gusili)
|