A Garganta da Serpente

Ronaldo Ferrito

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Fragmento engarrafado

"Há um guia silencioso e invisível cujas pegadas segues. Jamais repisar... São teus esses rastos! Ninguém, mortal ou infante, inaugurou esta trilha, pois são teus esses rastos. Caminhas como expulsasses caminhos. No entanto, há um guia. Sem desígnios, nem conselhos: não irá descalvar à frente o sarmento que derrubará teu chapéu, ou mesmo vazará um teu olho. Para que então, metade cego, saibas caminhar outrossim na escuridão. Para esse guia, oxalá desvairasses. Sei disso, porque também falo de mim.

(...)
Mas não me vai esta carta como quem quer circunstâncias, ou cúmplice; como um amante ou nauta dissesse: 'Quando receberes esta, agora para ti, estou partindo'... embora ame e tenha naufragado. Se queres saber como foi, primeiro a gávea, donde esperançava, se fendeu e o tombadilho - o mais alto que pude alcançar - foi logo em seguida, para depois se perder a âncora onde me julgava firme. Ainda nela, fui submerso de cabeça para baixo. E é verdade também que parti... Mas vivo! Vives! E disso é que damos notícias.

Tenho saudades de tuas 'pestanas coradas' com que em soslaio arrostavas o mar, entrevendo os nossos destinos, que escondias em gretas sobrancelhas.

De seu bem querido.

P.S.: Pueril a esperança de que esta missiva chegue a seu destino - parece haver sempre um destino - e que ele seja os braços gordurosos de algum sol em fevereiro, não mais as ventanias de setembro."


(Ronaldo Ferrito)


voltar última atualização: 16/06/2008
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