A Garganta da Serpente

Rodrigo Emanoel Fernandes

  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

A GALERIA ANTIGA

Escolhendo um rosto na galeria antiga…
Um rosto para se olhar no espelho… um rosto para chamar de seu…
Mas qual a substância que compõe esse rosto? Qual a fonte que o gerou?
Quanto dele é seu e quanto é o resultado de todo um manancial de influências…
Imposições, sensações, ruídos de fundo numa estática por demais delicada…
E o quanto isso importa?

É uma experiência e tanto viver com medo…
Medo… não como uma emoção objetiva, sentimento descontrolado, nada assim…
Medo como conceito… como abstração… poderoso… onipresente…
Medo como substância… medo incorporado à pele, aos músculos, nervos, sangue, ossos…
Medo misturado ao esperma, lançando-se incontrolavelmente adiante, num ciclo sem fim…
Medo como parte do corpo… corpo composto de medo…
Um corpo moldado por essa essência, rígido, frio…
O corpo de um autômato criado para interagir com um mundo que parece por demais distante…
Tão longe de seu verdadeiro eu…

Isso existe?

Isso importa?

Quem sou?

O que sou?

Nada a declarar…

Não sendo eu nem sendo outro…

Como é que é?

Qualquer coisa de intermédio…

Não passo de um filho da mãe? É isso? É só isso?

Eu sou o que sou e é tudo o que eu sou!!!

Não devo satisfações a ninguém…

E quanto a mim?

Ninguém!!!!

Nada a declarar…

Não posso me incomodar…

Nada importa a não ser uma imagem para se reconhecer, para ser reconhecido
Seria ela real? Natural? Isso existe?
Não importa, não importa… pra que se incomodar?
Basta viver o dia a dia, ocultando seu medo de todas as outras faces da galeria antiga.
Incorporando (impondo) significados à sua própria substância…
Metodicamente…
Desesperadamente…
Um ser transformado em amálgama de tudo o que foi feito dele…
De tudo o que tentou ser…
De tudo o que nunca será…
Fantoche, pedaços de cadáveres costurados num absurdo monstro de Frankenstein
Montado por quem? Deus? Espíritos? Arquétipos? Pai? Mãe? Família? Id? Ego?
Superego?
Faz diferença?
Criatura que ri e que chora…
Eternamente buscando no outro a única esperança de sentido que parece existir…
Ansiando por lampejos de significado…
Mendigando pitadas de empatia…
Tentando ignorar que o outro que busca…
Não é mais do que outro rosto…
Da galeria antiga.

(Texto para performance apresentada na aula de Psicologia do curso de Artes Cênicas/UEL)


(Rodrigo Emanoel Fernandes)


voltar última atualização: 09/11/2004
7207 visitas desde 01/07/2005
Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente