A GALERIA ANTIGA
Escolhendo um rosto na galeria antiga
Um rosto para se olhar no espelho
um rosto para chamar de seu
Mas qual a substância que compõe esse rosto? Qual a fonte que o
gerou?
Quanto dele é seu e quanto é o resultado de todo um manancial
de influências
Imposições, sensações, ruídos de fundo numa
estática por demais delicada
E o quanto isso importa?
É uma experiência e tanto viver com medo
Medo
não como uma emoção objetiva, sentimento descontrolado,
nada assim
Medo como conceito
como abstração
poderoso
onipresente
Medo como substância
medo incorporado à pele, aos músculos,
nervos, sangue, ossos
Medo misturado ao esperma, lançando-se incontrolavelmente adiante, num
ciclo sem fim
Medo como parte do corpo
corpo composto de medo
Um corpo moldado por essa essência, rígido, frio
O corpo de um autômato criado para interagir com um mundo que parece por
demais distante
Tão longe de seu verdadeiro eu
Isso existe?
Isso importa?
Quem sou?
O que sou?
Nada a declarar
Não sendo eu nem sendo outro
Como é que é?
Qualquer coisa de intermédio
Não passo de um filho da mãe? É isso? É só
isso?
Eu sou o que sou e é tudo o que eu sou!!!
Não devo satisfações a ninguém
E quanto a mim?
Ninguém!!!!
Nada a declarar
Não posso me incomodar
Nada importa a não ser uma imagem para se reconhecer, para ser reconhecido
Seria ela real? Natural? Isso existe?
Não importa, não importa
pra que se incomodar?
Basta viver o dia a dia, ocultando seu medo de todas as outras faces da galeria
antiga.
Incorporando (impondo) significados à sua própria substância
Metodicamente
Desesperadamente
Um ser transformado em amálgama de tudo o que foi feito dele
De tudo o que tentou ser
De tudo o que nunca será
Fantoche, pedaços de cadáveres costurados num absurdo monstro
de Frankenstein
Montado por quem? Deus? Espíritos? Arquétipos? Pai? Mãe?
Família? Id? Ego?
Superego?
Faz diferença?
Criatura que ri e que chora
Eternamente buscando no outro a única esperança de sentido que
parece existir
Ansiando por lampejos de significado
Mendigando pitadas de empatia
Tentando ignorar que o outro que busca
Não é mais do que outro rosto
Da galeria antiga.
(Texto para performance apresentada na aula de Psicologia do
curso de Artes Cênicas/UEL)
(Rodrigo Emanoel Fernandes)
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