A Garganta da Serpente

Rafael Montandon

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NEC PLUS ULTRA

Como um necrófilo funambulesco
Violando algum sepulcro do futuro,
Não sei por causa de que impulso obscuro,
Eu fui espiar o meu cadáver fresco!

E eu era um poema do poeta Augusto!
Marchando ao longo dos meus membros finos,
Um batalhão de monstros pequeninos
Eu contemplei, transido de asco e susto!

Minha carcaça, lívida e indefesa,
Reduziria a um saco de farinha
Aquela grei fantástica que vinha
P'ra desvelar a minha profundeza!

E os bichos, exibindo, sem excessos,
Supramoralidades de übermensch,
Comiam tudo aquilo que preenche
Os nossos mais recônditos recessos!

Co'as presas rápidas, uma lombriga
Me desmanchava as carnes e, indiscreta,
Mostrava ao mundo a mácula secreta
Que eu escondia dentro da barriga!

E, olhando o afinco daquela minhoca
No seu ofício, eu punha-me a pensar
No Nojo, esta emoção tão singular
Que o nosso próprio corpo nos provoca!...

Vísceras! Crimes! Sórdido recheio!
Órgãos internos! Íntimas vergonhas!
Sinuosidades lúgubres, medonhas,
Em que se esfaz todo o meu corpo feio!

Putrefação! E a entranha vil desnuda!
Impudicícia finalmente exposta!
Meus intestinos túrgidos de bosta!
O mundo externo, em'scárnios, vos saúda!

Que humilhação foi ter que, pelo verme
Desmascarado, expor toda a imundície
Que se ocultava sob a superfície
Enganadora da minha alva derme!

Quando eu morrer, que não se reze missa!
Joguem-me o corpo, sem qualquer velório,
Às chamas rápidas de um crematório,
Antes que eu possa me tornar carniça...


(Rafael Montandon)


voltar última atualização: 06/05/2002
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