A Garganta da Serpente

Radamés Manosso

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Via láctea

A noite se derrama sobre a metrópole.
Na avenida forma-se
o rio de lava urbana.
Dentro de mim
um maçarico queima sangue.
Sou um tentáculo do leviatã
que ofega e se crispa,
animal selvagem ferido,
que se contorce e urra,
em dor, velocidade, luz e febre,
A cidade se espalha na noite
e pulsa, ebule, caldeirão de óleo,
funga, resfolega e a emoção da vida
corre, circula nas avenidas.
Quem dera assimilar esta loucura,
magnífico caos organizado.
Quisera a omnipresença nas ruas,
nos quartos e nos becos.
Quem dera espalhar-me todo,
dividir-me em mil,
ser todos os habitantes da noite,
ser a própria cidade transpirando.
sentir no corpo
os carros em disparada,
o néon frenético, o bulício das calçadas.
Viesse a mim o poder de devorar
a beleza louca desta via-láctea.
Abre-te Sésamo, fera convulsiva da noite.
Deixa-me penetrar tua carne.
Sacia minha fome de ser você.
Quero o brilho doentio das lâmpadas de sódio,
a brutalidade do asfalto,
a frieza calculista do concreto.
E mais que tudo dá-me o direito
de ser os sussurros e gritos e silêncios
das almas atormentadas da noite.
Quero ser a escuridão dos becos.
a consciência dos culpados,
o desespero dos aflitos.
Dá-me a graça de ser pedra e carne,
delírio e esperança.
Ser o óleo de tuas engrenagens.
Máquina da noite, quero deslizar
por teus mecanismos.
Vejo-me triturado na tua boca impiedosa.
Meu sangue colorindo teus metais,
lubrificando teus mancais.
Deusa de concreto e alta voltagem
leva-me aos segredos ocultos nas tuas fundações.
Eu desejo tudo e tudo é pouco para mim
tamanha a fúria do desejo
que me martela as têmporas.
Eu amo o que está sob estas luzes
simplesmente porque existe
e tem o sabor selvagem de realidade.
Metrópole, minha sedução.
És matéria e estás fora de mim.
Amo burramente teu gosto de seiva crua
que me escapa e me domina.
Quero esta noite.
Tudo e nada eu quero e sinto.


(Radamés Manosso)


voltar última atualização: 09/03/2009
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