PERENE
Ao contrário de
Rimbaud,
Eluard,
Baudelaire,
Apolinaire,
Não fumei do ópio,
Não provei do láudano,
Não bebi do absinto,
Não escandalizei as freiras do hospital.
Cabe-me, pois,
Caminhar,
Errático,
Em meio a toda esta insânia
Que nos cerca,
E que nos envolve
Como casulo
De maléfico inseto,
Que não serve para tecer
Fios de ouro,
Mas, antes,
Para inquietar-nos,
Atiçar-nos,
Machucar-nos,
Do mesmo modo que
Ao penitente,
O látego,
Ao demente,
A cela ou a drágea colorida,
Ao condenado,
O cadafalso.
Por conta de um lapso,
A guisa de desculpas,
Uma jovem mulher,
A quem amo desde menina
Como se minha filha fosse,
Mandou-me flores.
Tal gesto,
Carregado de culpa,
Mas pleno de afeto,
Levou-me a refletir
Sobre a exata dimensão
Daquilo que realmente importa
Ao canhestro fato
Que é viver.
Concluí que
Importa a nós,
Humanos,
Catar os ínfimos cacos
Dos bons momentos vividos,
Lavá-los
De todos os resíduos
Do ódio, da dor, da desesperança,
E uni-los
Com o impalpável cimento
Da paixão e do afeto,
Para que surja
O nosso próprio vitral,
A refletir
A plena e perene luz
De nossos sonhos e desejos.
E isto,
E nada além disto,
É o que realmente importa...
(Nilton Maia)
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